Portugal é o terceiro país da OCDE com o maior número de médicos face à sua população (cf. aqui) e um dos países onde o número de médicos mais cresceu nas últimas décadas (cf. aqui)
E, no entanto, os jornais estão cheios de notícias de que há falta de médicos no país.
Antes de explicar as razões desta aparente contradição, é preciso delimitar o problema. A escassez de médicos de que se fala - com especial incidência em certas especialidades, como a obstetrícia - afecta o SNS, mas não o sector privado. Enquanto vários hospitais do SNS fecham urgências obstétricas por falta de médicos, não existe notícia de algum hospital privado que o tenha feito.
Feita esta delimitação, como explicar, então, a escassez de médicos no SNS num país que está entre aqueles que têm o maior número de médicos por habitante?
A resposta é que no SNS o mercado para médicos é gerido de forma administrativa quer do lado da procura quer do lado da oferta, como é próprio do socialismo. Os socialistas acreditam que podem trazer a prosperidade e o bem-estar à humanidade a golpes de decretos-lei.
O SNS paga aos obstetras - para utilizar, como exemplo, a especialidade onde há mais carência - o mesmo que paga às outras especialidades onde não há escassez, como médicos de família, urologistas ou internistas porque no sector público, realizando um ideal do socialismo, o salário é igual para todos aqueles que se encontram no mesmo nível de senioridade, e é determinado pela senioridade e não pelo mérito.
Ora, como os obstetras estão em situação de escassez relativa, o seu valor de mercado é superior ao dos seus colegas em especialidades onde não há escassez, mas os regimes de salários na função pública são inflexíveis e iguais para todos. É neste momento que entram os hospitais privados que oferecem aos obstetras o seu valor de mercado e tiram-nos ao SNS (52% dos obstetras do país trabalham só no privado).
Isto é o que se passa do lado da procura. O lado da oferta vem agravar o problema. Quem determina o número de obstetras ou outros especialistas que em cada ano entra no mercado é a Ordem dos Médicos através dos seus respectivos colégios de especialidade. Cada especialidade tem interesse em abrir poucas vagas porque assim mantém uma escassez relativa dos seus especialistas e aumenta o seu valor de mercado. Ora, o colégio de obstetrícia da OM tem sido particularmente eficaz em restringir o número de vagas que se abrem nesta especialidade.
Em suma, não só há poucos obstetras no país relativamente à procura como aqueles poucos que existem são seduzidos pelo sector privado, deixando o SNS na penúria quanto a estes especialistas.
É este invariavelmente o resultado do socialismo - penúria.
E não se pense que o problema da escassez de médicos no SNS é localizado e diz respeito apenas à especialidade de obstetrícia. Não, é geral e está a alastrar a outras especialidades como ginecologia, anestesiologia e pediatria.
A ministra diz que vai resolver o problema da penúria "contratando todos, contratando no estrangeiro e pagando mais" (cf. aqui), mas para isso é preciso muito dinheiro e demora muito tempo. Não se produzem médicos com a mesma rapidez com que se produzem alfinetes. E, no dia em que ela decidir pagar mais aos obstetras no SNS, todas as outra especialidades vão querer ganhar o mesmo e o negócio torna-se ruinoso.
Ora, nas condições económicas que se desenham, o dinheiro vai ser, no SNS, um bem ainda mais escasso do que os médicos obstetras. Por isso, a melhor imagem que se pode visualizar do SNS dentro dos próximos dez anos é a de um edifício em ruínas.
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