20 janeiro 2022

um zé-ninguém


No post anterior (cf. aqui), o Joaquim captou magistralmente - porque o fez da forma mais simples que é possível conceber -  a diferença entre o liberalismo económico de matriz anglo-saxónica ou calvinista, defendido pela IL, e o liberalismo económico de matriz latina ou católica, defendido pelo CHEGA.

Eu gostaria agora de apresentar a diferença entre os dois liberalismos no que diz respeito ao próprio significado da liberdade de que os dois liberalismos se reclamam.

Para o liberalismo anglo-saxónico, a liberdade significa sobretudo liberdade de escolha. É a liberdade para um indivíduo escolher a sua profissão, o  seu automóvel, a pasta para os dentes no supermercado, a sua religião, o parceiro com quem quer viver, etc.

Trata-se de uma liberdade que, - tal como a riqueza a que o Joaquim faz referência no post anterior -, se manifesta exteriormente e que inclui, obviamente, a liberdade de uma pessoa fazer escolhas acerca do seu corpo e dispôr dele. Daí que este liberalismo seja favorável ao aborto, à eutanásia, às relações homossexuais. Neste aspecto, a liberdade defendida pela IL não difere da liberdade defendida pelo BE e por todos os partidos da família socialista.

E porquê?

Porque o socialismo e esta concepção do liberalismo têm em comum o facto de ambos provirem de teologias protestantes - o liberalismo anglo-saxónico do calvinismo, o socialismo do luteranismo. É esta a razão porque a IL e o BE defendem igualmente a liberdade de costumes. Une-os o facto de serem ambos contra a tradição, que é a marca distintiva do catolicismo.

Para o liberalismo católico ou latino, defendido pelo CHEGA, não há liberdade de costumes porque os costumes são aquilo mesmo em que consiste a tradição. Se gerações, umas após as outras, definiram certos comportamentos como bons ao ponto de os tornarem costumes (tradição) é porque existe algo de essencialmente bom nesses comportamentos que a geração presente não deve ousar pôr em causa.

A liberdade católica ou latina não inclui portanto a liberdade de cada um dispôr do corpo a seu bel-prazer e não é sequer, primordialmente, uma liberdade de escolha, embora não exclua esta última no campo dos bens materiais.

A liberdade latina ou católica é sobretudo uma liberdade interior - tal como o sentimento de felicidade a que se refere o Joaquim no post anterior. É essencialmente uma liberdade para ser diferente, uma liberdade que permite a cada ser humano ser diferente dos outros, ter uma personalidade própria, ser uma pessoa, um ser único e irrepetível, de que nunca existiu igual e jamais existirá.

A liberdade latina ou católica permite a cada ser humano ser uma pessoa, e não um mero indivíduo, distinguindo-o da massa anónima de indivíduos, todos dotados da liberdade de escolha do liberalismo protestante, mas em que cada um não se distingue dos outros, e será para sempre um zé-ninguém.

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