Quem ouviu os discursos de Sá Carneiro a seguir ao 25 de Abril, ou quem os ler hoje, à distância de quase 50 anos, a principal conclusão que retira é que ele não sabia o que queria para o país.
Oriundo de uma chamada "ala liberal" do antigo regime, de que faziam parte também, entre outros, deputados como Pinto Balsemão e Magalhães Mota, ele tinha lutado por uma certa abertura do regime, mas ele não era, nem de longe, um liberal, no sentido ideológico do termo.
Eu estou mesmo convencido que ele não sabia sequer o que era o liberalismo.
No mesmo ano de 1974 em que se deu a revolução de Abril foi atribuído ao economista austríaco (mas a viver em Londres) Friedrich Hayek, que viria a tornar-se o símbolo do liberalismo moderno, o Prémio Nobel da Economia. Porém, se alguém tivesse perguntado a Sá Carneiro quem era Hayek, eu estou persuadido que ele teria respondido qualquer coisa como uma famosa pintora russa.
Sá Carneiro não era um ideólogo, nem conhecia nada de ideologia, como aliás a esmagadora maioria dos portugueses da altura. Salazar tinha mantido o país incrivelmente fechado e Marcelo Caetano não o abriu muito mais. O primeiro momento de abertura de espírito em Sá Carneiro terá ocorrido quando ele se mudou para Lisboa, oriundo do Porto que era, na altura, uma cidade muito fechada.
O cosmopolitismo de Lisboa terá encantado Sá Carneiro mas quando se deu o 25 de Abril, ao contrário de Mário Soares que era mais viajado e cosmopolita e tinha uma cultura ideológica, Sá Carneiro apenas foi capaz de fundar um partido popular - o Partido Popular Democrático (PPD). Neste partido juntava uma grande fracção do povo que não tinha ideologia como ele, e recrutava os seus aderentes sobretudo no norte do país, menos politizado do que o sul, e donde ele próprio provinha.
Um segundo momento decisivo na abertura de espírito de Sá Carneiro terá sido o da sua relação com Snu Abecassis, uma senhora dinamarquesa. Aquela mulher devia ter representado aos olhos dele tudo aquilo que ele não estava habituado a ver numa mulher portuguesa, e especialmente numa mulher do norte - uma mulher desempoeirada, emancipada, independente, empresária, cosmopolita, divorciada, em muitos aspectos masculina, enfim, a mulher típica dos países do norte da Europa.
Terá sido por essa altura, e influenciado pelos horizontes que ela lhe abriu, que Sá Carneiro começou a falar difusamente que queria para Portugal um "socialismo do tipo sueco". Referia-se à social-democracia que reinava nos países escandinavos, como a Noruega, a Suécia e a Dinamarca, e o apelo sueco vinha de a Suécia estar na altura a liderar os indicadores de desenvolvimento socio-económico na Europa.
Foi nesta altura que o Partido Popular Democrático (PPD) virou Partido Social-Democrata (PSD) e começou a disputar ao PS o espaço do socialismo democrático ou social-democracia. Porém o PSD/PPD ficou para sempre marcado pelas suas origens populares, nortenhas e não-ideológicas, e é essa faceta que parece hoje fatal para o seu destino.
Os portugueses têm agora quase 50 anos de cultura política democrática, já não são os mesmos ignorantes da segunda metade da década de 70, e exigem um produto político especializado, não se contentando mais com o saco de batatas ideológico que sempre foi o PSD.
No Porto, onde nasceu, o PPD/PSD não conseguiu eleger mais do que um vereador nas últimas eleições autárquicas. O movimento de Rui Moreira na cidade, que lhe levou os votos, é largamente uma dissidência do PSD. A nível nacional, a maior dissidência é, evidentemente, a de André Ventura (ex-deputado do PSD) e do Chega, mas a Iniciativa Liberal também é, em larga medida, uma dissidência do PSD.
No Porto, um filho já praticamente matou o pai. A nível nacional são dois filhos a quererem matar o pai ao mesmo tempo. Não há pai que resista a uma coisa destas. O PSD está condenado a morrer.
Quanto aos verdadeiros sociais-democratas, não ficarão órfãos porque têm no PS um pai muito melhor do que o PSD. O próprio Rui Rio acabará um dia por aderir ao PS, porque é aí o seu lugar.
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