03 fevereiro 2021

Salazar e o Chega (IV)

 (Continuação daqui)


IV. A mesma fonte


No pensamento de Salazar e no programa do Chega existe um fundo comum, vê-se que um e outro têm a mesma origem intelectual, que ambos foram beber à mesma fonte.

Essa fonte é o catolicismo.

Salazar foi educado num Seminário e era um homem muito católico, embora o seu catolicismo se viesse a desvanecer com os anos. Na arquitectura que concebeu para o Estado Novo, e na forma como serviu o Estado Novo (a sua vida teve muitas semelhanças com as de um padre católico) percebe-se a profunda influência que nele teve o catolicismo. 

Por exemplo, o Estado Novo definia-se como um Estado Corporativo e esse corporativismo Salazar foi buscar à Encíclica Quadragesimo Anno (1931) do Papa Pio XI, que foi publicada  dois anos antes da Constituição de 1933.

Porém, onde a influência católica é mais visível em Salazar é no carácter único do Estado Novo. 

O Estado Novo não é socialista, não é liberal, não é nazi, não é fascista, sendo que estas duas últimas versões são variantes do socialismo. O Estado Novo é uma fato concebido por Salazar à medida da cultura católica dos portugueses e das circunstâncias da época. Não há, não houve nem nunca haverá outro igual. O Estado Novo é único e irrepetível, é diferente de todos os outros.

É neste ponto que o pensamento católico de Salazar se cruza com o programa do Chega. Salazar e o Chega defendem ambos um Estado Subsidiário, que também é defendido pela Igreja Católica - na realidade é uma ideia original da Igreja Católica.

Salazar e o Chega concedem um amplo espaço à iniciativa privada, mas também aí não são diferentes do catolicismo.

Salazar e o Chega colocam a família como célula base da sociedade, como faz a Igreja Católica.

Salazar e o Chega são liberais na economia, mas não são liberais nos costumes, e a Igreja Católica também é assim.

As semelhanças poderiam multiplicar-se, mas não vale a pena porque há um momento definidor no programa do Chega onde a sua matriz católica é posta a nu. É o momento mais inovador do programa e é aquele que, do ponto de vista doutrinal, distingue o Chega de todos os outros partidos com assento parlamentar.

É o momento em que o Chega diz no seu programa que promove a diferença (cf. aqui).

Todos os outros partidos promovem em primeiro lugar a igualdade, sejam eles da família socialista (PS, PSD, CDS, PCP, BE, Livre) sejam da família Liberal (IL). 

A este último respeito - a família liberal - a Declaração de Independência dos EUA, o primeiro país nascido liberal  no mundo, enfatiza a igualdade: "Nós tomamos como verdades evidentes que todos os homens são criados iguais..." (cf. aqui).

Ora, esta frase tantas vezes repetida - de que todos os homens são criados iguais - só, em parte, é verdadeira. Os homens são criados iguais e diferentes, sendo que o protestantismo acentua neles a igualdade ao passo que o catolicismo faz sobressair a diferença.

O liberalismo e o socialismo são duas ideologias oriundas do protestantismo (calvinismo e luteranismo, respectivamente) e, por isso, ambas enfatizam a igualdade.

A originalidade de Salazar e do Chega está em enfatizar a diferença, conforme à cultura católica dos portugueses.

(Continua)

Sem comentários: