(Continuação daqui)
II. A inteligência criadora
"Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que "os países ultraliberais que mais estavam contra o estado de emergência acabaram por adoptá-lo", apontando os Estados Unidos e o Reino Unido como casos em que foi necessário injetar dinheiro na economia e conceder apoios sociais, e questionou como é que um governo que seguisse a ideologia [liberal] conseguiria enfrentar o problema da pandemia, nomeadamente nos lares" (cf. aqui)
Esta é a descrição de um momento do debate entre o Presidente da República e um candidato à presidência [Mayan Gonçalves, Iniciativa Liberal] que, à semelhança do André Ventura, também defende o liberalismo na economia.
A resposta às questões do Presidente envolve duas vertentes.
Primeira, o liberalismo económico não exclui o Estado. Para o liberalismo, o Estado é a solução de última instância, o último recurso para resolver uma necessidade social quando todas as iniciativas da sociedade civil tenham falhado. Liberalismo não é anarquismo.
O liberalismo privilegia a iniciativa pessoal para resolver os problemas económicos, seja ela a título individual seja em grupo (empresas, cooperativas, associações de solidariedade, igrejas, etc.) relegando para último lugar a iniciativa estatal.
O Estado próprio da cultura portuguesa não é sequer o Estado Mínimo, que é caro ao liberalismo anglo-saxónico, mas o Estado Subsidiário, aquele que está pronto a satisfazer as necessidades da população em todo o lado onde a iniciativa privada se mostre incapaz de o fazer.
No campo económico, a grande diferença entre o socialismo e o liberalismo para responder às necessidades sociais transcende aquela verdade amplamente demonstrada pela ciência económica de que a iniciativa privada satisfaz essas necessidades de maneira mais eficiente, económica e eficaz do que a burocracia do Estado.
A grande diferença reside na inteligência criadora que o liberalismo económico estimula e que a burocracia do Estado mata. O liberalismo económico - assente na prossecução do lucro e no evitar das perdas - fomenta na população uma cultura de descoberta, de problem-solving e de inovação que contrasta com a cultura de abulia intelectual que é característica dos burocratas e dos subsídio-dependentes.
É altura de dizer que a superioridade de uma economia de mercado sobre uma economia estatizada não é somente uma verdade da ciência económica que, por natureza, é laica e neutra em relação a valores. Foi o Papa João Paulo II que a afirmou enfaticamente na Encíclica Centesimus Annus (1991), publicada pouco depois da queda do Muro de Berlim, depois de se interrogar:
"(...) pode-se, porventura, dizer que, após a falência do comunismo, o sistema social vencedor é o capitalismo e que para ele se devem encaminhar os esforços dos países que procuram reconstruir as suas economias e as suas sociedades? É, porventura, este o modelo que se deve propor aos países do Terceiro Mundo que procuram a estrada do verdadeiro progresso económico e civil?"
Eis a resposta:
"Se por 'capitalismo' se indica um sistema económico que reconhece o papel positivo da empresa, do mercado, da propriedade privada e da consequente responsabilidade pelos meios de produção, da livre criatividade humana no sector da economia, a resposta é certamente positiva, embora talvez fosse mais apropriado falar de 'economia de empresa', ou de 'economia de mercado', ou simplesmente de 'economia livre'".
Mais adiante:
"Tanto no âmbito de cada nação, como no das relações internacionais, o livre mercado parece ser o instrumento mais eficaz para dinamizar os recursos e corresponder eficazmente às necessidades".
E, sobre o lucro:
"A Igreja reconhece a justa função do lucro, como indicador do bom funcionamento da empresa: quando esta dá lucro, isso significa que os factores produtivos foram adequadamente usados e as necessidades humanas correlativamente satisfeitas".
Nas palavras de S. João Paulo II, então, o livre mercado é o instrumento mais eficaz para dinamizar os recursos, e o lucro é um indicador de que as necessidades humanas foram adequadamente satisfeitas.
Mas os recursos a que se refere o Papa não são apenas aqueles recursos materiais que são o pão e a manteiga dos manuais de economia - a terra, o trabalho e o capital. Nenhum destes recursos seria produtivo sem a inteligência criadora do homem - a livre criatividade humana, nas palavras do próprio Papa -, um recurso que às vezes aparece difusamente incluído num quarto factor de produção a que os economistas chamam organização.
É neste ponto que volto às questões do Professor Marcelo Rebelo de Sousa acerca do liberalismo para dizer aquilo que é óbvio, a saber, que os apoios do Estado à economia e à sociedade, em relação com a pandemia do covid19, à semelhança dos apoios que vieram também da iniciativa privada, atenuaram as consequências da pandemia, mas não resolveram o problema da pandemia.
A verdadeira solução ao problema, a solução que permite hoje ao Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, - e a muitos milhões de seres humanos por esse mundo fora como ele -, ficarem razoavelmente seguros de que não morrerão de covid, essa solução não veio do Estado. Nem do Estado presidido por ele, nem de qualquer outro, nem podia vir, porque o Estado mata a inteligência criadora, a livre criatividade humana de que fala S. João Paulo II.
Na maneira como formula a questão, percebe-se que o Professor Marcelo Rebelo de Sousa estava à espera que a solução à pandemia do covid viesse de um governo (sic), em forma de lei ou decreto-lei, uma lei promulgada por ele ou por algum chefe de Estado como ele. Mas não, enganou-se, não foi daí que apareceu a solução.
Na realidade, a partir deste engano, o Professor Rebelo de Sousa passa a navegar em enganos.
A solução - a verdadeira solução à pandemia - é a vacina inventada pela Pfizer (EUA), que é uma empresa privada, mais as outras vacinas que já estão a caminho e que foram também inventadas por empresas privadas - a da Moderna (EUA) e a da Astra Zeneca (Reino Unido). E, ironia das ironias, todas elas inventadas nos países ultraliberais que parecem horrorizar o Professor Marcelo Rebelo de Sousa.
Que felicidade deve ser presidir a um país, ou meramente pertencer a ele, cujos cidadãos inventam uma solução que permite salvar a vida a biliões de pessoas em todo o mundo. Esta é uma felicidade que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, ou qualquer outro Presidente português, dificilmente algum dia terá, a menos que Portugal passe a seguir as ideias económicas propostas pelo André Ventura - a livre iniciativa na economia e um Estado que seja meramente um Estado subsidiário.
São estas duas ideias simples que fomentam a inteligência criadora, a qual - para aqueles que são tocados por sentimentos religiosos - representa a forma superior da inteligência.
Porque é a inteligência de Deus.
(Continua)
Sem comentários:
Enviar um comentário