15 janeiro 2021

A protecção das fontes jornalísticas (IV)

 (Continuação daqui)


IV. Duplamente condenado


A revista Sábado já anunciou que vai apresentar uma queixa-crime contra a procuradora Andrea Marques e a sua chefe, a procuradora Fernanda Pêgo. No caso da queixa não ter seguimento na justiça portuguesa, dado o estatuto de imunidade de que gozam os procuradores do MP, o assunto pode chegar ao TEDH.

(O TEDH só se pronuncia depois de o caso ser apresentado nos tribunais nacionais e de estar encerrado nestes tribunais).

Neste caso, como é que o TEDH vai decidir?

É mais do que certo que dará razão aos jornalistas e condenará o Estado português, na pessoa do Ministério Público. E a condenação será dupla, por violação do artº 10º da CEDH (direito à liberdade de expressão) e do artº 6º (direito à vida privada e familiar).

O TEDH, essencialmente, procurará resposta para duas questões.

Primeira, a vigilância aos jornalistas mandada executar pelas procuradoras do MP  teve a autorização de um juiz? 

A resposta é não, e é aqui que começa a condenação do Estado português.

Segunda, existe algum interesse público relevante (v.g. segurança nacional, prevenção do crime) que justifique a vigilância aos jornalistas com vista a conhecer as suas fontes?

A resposta é igualmente não, e aqui a história revela contornos ridículos que vale a pena relembrar.

Um certo Paulo Gonçalves, assessor do Benfica, iria ser detido no âmbito de um processo judicial conhecido por e-toupeira.

Dois jornalistas, um da Sábado, outro do Correio da Manhã (este, hoje na TVI) deram a notícia quase em simultâneo ao facto, significando que alguma fonte lhes tinha dado a informação.

O DIAP de Lisboa abriu um processo por violação do segredo de justiça e foi no âmbito deste processo que as procuradoras deram ordens à PSP para espiar os jornalistas.

A pergunta é: Que interesse público relevante pode haver em saber quem é que deu a informação aos jornalistas sobre a detenção do tal Paulo Gonçalves?

Nenhum, é a resposta.

Os procuradores do Ministério Público em Portugal não têm mais nada que fazer, andam à caça de gambuzinos.

A procuradora Fernanda Pêgo, que tem a categoria mais alta do Ministério Público (procuradora-geral adjunta, onde se ganha mais que a primeiro-ministro) justificava-se ontem dizendo que os jornalistas foram vigiados na via pública, não dentro das suas casas, sugerindo que não houve violação da vida privada (cf. aqui).

Ora, quem vigiar uma pessoa diariamente, durante meses, na via pública fica a saber quais os locais que ela frequenta e quais as pessoas com quem ela se relaciona, e passa a poder reconstituir uma parte substancial da sua vida privada.

Por isso é que o Estado-português não vai ser só condenado no TEDH por violação do direito à liberdade de expressão dos jornalistas (artº 10º da CEDH). Vai também ser condenado por violação do seu direito à vida privada e familiar (artº 6º).

É assim que se tratam os Estados que, dizendo-se democráticos, mantêm um sistema de justiça que é inquisitorial ou fascista.  

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