30 dezembro 2020

Uma corporação política (IV)

 (Continuação daqui)


IV. No tempo de Salazar

No tempo de Salazar raramente se ouvia falar do Ministério Público - na realidade, eu próprio vivi 20 anos sob o regime do Estado Novo, e não me lembro de alguma vez ter ouvido falar do Ministério Público.

Hoje, todos os dias se fala do Ministério Público em Portugal.

Nas democracias consolidadas, como a Inglaterra, o Canadá ou os EUA, é como no tempo de Salazar em Portugal - raramente se ouve falar do Ministério Público que, nesses países, tem o nome de Office of the Attorney General.

A  razão por que, no tempo de Salazar, raramente se ouvia falar do Ministério Público é que, ironicamente, nesse tempo, o Ministério Público estava instituído em Portugal como nas democracias consolidadas, como a inglesa, a canadiana ou a americana.

É necessário talvez repetir este ponto para que ele não se perca. No tempo de Salazar, o Ministério Público estava instituído em moldes democráticos, ao contrário do que sucede actualmente. 

O Ministério Público era um departamento do Ministério da Justiça, sujeito à autoridade do ministro da Justiça, e a função dos procuradores do MP era a de servirem de advogados do Estado nos tribunais. O Ministério Público não andava por aí, como agora, nas cidades, vilas e aldeias do país, organizado em Departamentos de Investigação e Acção Penal (DIAP's) a acusar criminalmente e a mandar prender políticos e pessoas politicamente desalinhadas. 

Tal não significa, obviamente, que o regime de Salazar fosse uma democracia liberal como a inglesa, a canadiana ou a americana. É que o regime de Salazar tinha uma instituição que nenhuma democracia liberal possuía - uma polícia política.

Na realidade, para desempenhar a função que hoje desempenha o Ministério Público em Portugal - a de perseguir políticos e cidadãos hereges ao poder político - o regime de Salazar tinha a PIDE. 

Com a extinção da PIDE em 1974, o Ministério Público expandiu-se para ocupar as suas funções, exactamente como um órgão do corpo humano se expande para ocupar a posição de outro que tenha sido removido.

Tal é hoje a figura do Ministério Público em Portugal, uma corporação de políticos não-eleitos, que não prestam contas a ninguém, com poderes de polícia política para mandar prender e acusar criminalmente os seus adversários políticos e os hereges do sistema político.

É esta configuração do Ministério Público - a de uma polícia política - que dá um carácter peculiar às "democracias" tardias saídas dos países católicos como Portugal, e que não existe nas democracias consolidadas - como a inglesa, a canadiana ou a americana. Nestas, também existe Ministério Público (Office of the Attorney General), mas não tem poderes de polícia política, como em Portugal.

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