13 dezembro 2020

É melhor até nem saberem

Um sindicato de juízes, para além da conotação operária que possui, é uma das mais anti-democráticas instituições que se podem imaginar. Na realidade, ela representa a admissão explícita, por parte dos juízes, de que possuem um patrão - o poder político -, violando um dos mais sacrossantos princípios da democracia que é o princípio da independência do poder judicial em relação ao poder político. 

O juiz Manuel Soares, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), corre o risco de passar o seu mandato a escrever nos jornais e a fazer propostas ao poder político reivindicando a independência dos juízes, e acabar o mandato sem obter quaisquer resultados práticos. E isto é assim porque os políticos sabem que, mais cedo ou mais tarde, o juiz Manuel Soares vai ter de andar de volta deles de chapéu na mão para lhes pedir aumentos de ordenados para si e para os seus colegas.

Uma greve de juízes - como aquelas que a ASJP organiza a intervalos regulares - é o espectáculo mais escabroso que se pode imaginar numa democracia - os juízes a exigirem aumentos ao patrão. Mas, bastante pior ainda, hão-de ser as reuniões privadas em que os juízes e os governantes se sentam à mesma mesa para chegarem a acordo sobre os aumentos dos vencimentos dos juízes e as outras condições de trabalho.

Nenhum verdadeiro democrata gostará sequer de imaginar o que se passará nessas reuniões, e o que os juízes têm de dar em troca aos políticos para verem satisfeitas as suas reivindicações sindicais. É neste momento que o discurso público do juiz Manuel Soares e da ASJP sobre a independência dos juízes arrisca cair por terra e perder toda a credibilidade.

Na verdade, o juiz Manuel Soares e os outros membros da ASJP arriscam-se a passar para a história como mais um grupo de  políticos - embora um grupo de políticos ao serviço dos juízes -, tão políticos como aqueles que em baixo caracterizei como impostores - nada daquilo que dizem tem correspondência com a realidade. Reivindicam a independência dos juízes face ao poder político, mas isso é só aparência porque, na prática, sentem-se muito confortáveis na dependência do poder político que lhes satisfaz os pedidos e as reivindicações.

Não haverá independência dos juízes em Portugal enquanto for o Governo a fixar as condições de remuneração dos juízes e as outras condições do seu trabalho.

E existirão alternativas a esta maneira portuguesa de fixar a remuneração dos juízes?

Claro que existem. A vantagem de Portugal ter sido um dos últimos países a chegar à democracia na Europa Ocidental, é a de que todos os problemas que enfrenta já foram há muito enfrentados por outros países democráticos e as soluções já foram encontradas para esses problemas.

No Reino Unido, a pátria da democracia moderna, os salários e outras condições de trabalho dos juízes são determinados por uma comissão independente de cidadãos, chamada Senior Salaries Review Body (SSRB, cf. aqui). 

Esta Comissão é constituída por sete cidadãos, oriundos do sector privado e do sector público (cf. aqui), cada um deles nomeado pelo período de três anos, e que faz periodicamente a revisão e actualização dos salários dos juízes e dos titulares de outros altos cargos públicos.

A SSRB publica anualmente um relatório com as suas recomendações ao Governo (cf. aqui, a parte relativa ao poder judicial aparece a partir da pág. 137).

É uma solução que salvaguarda a independência dos juízes face ao poder político, prescinde de sindicatos de juízes, evita greves dos juízes e a degradação da imagem pública dos juízes. Também evita aquelas reuniões à porta fechada entre juízes e governantes, em que as duas partes se põem de acordo, mas em que os cidadãos ficam sem saber o que os juízes tiveram de dar em troca aos políticos para verem satisfeitas as suas reivindicações.

E, nalguns casos, é melhor até nem saberem.  

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