28 novembro 2020

A juíza Rangel (VII)

 (Continuação daqui)


Plenário do Tribunal Constitucional, 2019
(Fonte: Google Imagens)


VII. Não valem aquilo que ganham

Aos olhos de um economista, um trabalho é satisfatório quando cumpre um triplo critério, conhecido por critério dos 3 E's, a saber, Eficiência (fazer a coisa certa), Eficácia (fazer a coisa bem) e Economia (fazer a coisa ao menor custo).

O trabalho dos treze juízes do Tribunal Constitucional, reunidos em Plenário para apreciar o recurso do deputado madeirense José Manuel Coelho, e cujo resultado está espelhado no acórdão nº 595/2018 (cf. aqui) do TC, redigido pela "juíza conselheira" Fátima Mata Mouros, não consegue passar um só dos três critérios.

Se o TC fosse uma instituição privada que, como todas as instituições privadas, tivesse de se gerir por critérios de eficiência, eficácia e economia, o TC já teria aberto falência e todos os juízes já teriam sido despedidos com justa causa. Eles não valem aquilo que ganham.

Comecemos pela economia. Mas serão necessários treze juízes, todos pagos a peso de ouro, e a convocação do Plenário do Tribunal Constitucional, para decidir sobre uma questão - o conflito entre uma lei constitucional e uma lei ordinária - que até um estudante do primeiro ano de Direito sabe decidir?

No que respeita à eficácia, aquilo que é mais chocante no acórdão é que não existe uma única referência - uma só - ao princípio de justiça, que é o princípio da hierarquia das leis, que permite dar a resposta justa ao recurso do deputado Coelho. Pelo contrário, os juízes envolvem-se numa longa discussão, invocando razões e leis de um lado e do outro, que são absolutamente irrelevantes para dar resposta à questão que se pretende. E o que dizer das declarações de voto, algumas delas absolutamente abstrusas, onde se torna perfeitamente claro ao espírito do leitor que os juízes se perdem no meio dos seus próprios argumentos?

No final de todo este trabalho, seria de esperar que os "juízes conselheiros" do TC, reunidos em Plenário, tivessem feito a coisa certa e passado, ao menos, o critério da eficiência. Mas nem isso. Como fica claro pela parte final da declaração de voto do presidente do TC, Professor Manuel Costa Andrade, só fizeram metade do trabalho, a outra metade ficou por fazer. Resolveram metade do problema e deixaram a outra metade por resolver. Diz o Professor Costa Andrade:

"(...) O que me leva a acreditar - e esperar - que em ulteriores pronunciamentos, o Tribunal Constitucional reequacione o alargamento do alcance do seu exame e dos seus juízos na direção que fica sugerida. Pelo menos na direção da multa aplicada a pessoa singular". (cf. aqui, última página)

Quer dizer, o TC deu como inconstitucional a Lei 20/2013 que considerava irrecorríveis para o STJ as condenações da Relação que envolvessem penas superiores a 5 anos de prisão. Considerou mesmo a Lei 20/2013 inconstitucional sempre que houvessem penas de prisão envolvidas, qualquer que fosse a sua duração, e foi isso que permitiu ao deputado Coelho (que estava condenado pela Relação a um ano de prisão) recorrer para o STJ, onde veio a ser absolvido.

Mas o TC, nesta sua decisão, continuou a considerar constitucional a Lei 20/2013 sempre que as penas envolvidas não sejam de prisão, isto é, revistam a natureza de multa, trabalho comunitário ou outra. Neste caso, a Lei 20/2013 prevalece sobre a Constituição (artº 32º), a qual consagra o direito ao recurso sem fazer qualquer discriminação quanto à natureza da pena (prisão ou outra), o mesmo sucedendo com o artº 2º do Protocolo nº 7, anexo à CEDH (direito a um duplo grau de jurisdição) que não restringe o direito segundo a natureza da pena (prisão ou outra).

Por outras palavras, depois deste acórdão do TC, alguém que tenha sido condenado pela primeira vez na Relação em pena de multa (ou outra que não seja de prisão) não poderá exercer o direito ao recurso que a Constituição lhe confere e a CEDH também. Tribunal Constitucional dixit

Através deste acórdão, os "juízes conselheiros" do TC, restringiram o direito ao recurso consagrado na Constituição e reescreveram a Constituição, que é algo que só a Assembleia da República tem competência para fazer e mesmo essa, através somente de uma maioria qualificada. Onde o artº 32º da Constituição, no seu número 1, dizia: "O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso", passou a dizer: "O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso, mas só se a pena for de prisão".

Naquela argumentação abstrusa, nebulosa, irrelevante e não raras vezes irracional do acórdão 595/18 do Tribunal Constitucional, onde os "juízes" se perdem a discutir o lateral e o acessório, esquecendo o principal, o deputado Coelho teve muita sorte, porque a mesma argumentação poderia ter conduzido, com igual probabilidade, a uma decisão oposta por parte dos juízes do TC.

A mesma sorte não tiveram os guardas da GNR no seu processo com o juiz Neto de Moura. Foram absolvidos em primeira instância. Em seguida, foram condenados na Relação em pena de multa. Quiseram recorrer para o Supremo desta condenação, ao abrigo do artº 32º da Constituição. Porém o Supremo negou-lhes o recurso porque, em virtude do acórdão 595/18 do TC, só pode apreciar recursos envolvendo penas de prisão, o que não era o caso deles, que tinham sido condenados pela Relação somente em pena de multa. 

Os militares da GNR, na esteira do deputado Coelho, tiveram então de recorrer também para o Tribunal Constitucional, a pedir a declaração de inconstitucionalidade da Lei 20/2013, agora quando a pena é de multa.

É assim que os "juízes conselheiros" do TC justificam aquilo que ganham. Não será necessário acrescentar mais nada para explicar a morosidade da justiça em Portugal e o seu carácter labiríntico.  

(Continua)

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