II. Querias!...
O advogado queria, portanto, que o Supremo fixasse a jurisprudência sobre se a expressão "Vai para o caralho" é ou não crime de injúrias.
E o que respondeu o Supremo?
-Querias!...
Escudando-se num artigo do Código do Processo Penal - o que havia de ser? - o Supremo Tribunal de Justiça recusou-se a fazer jurisprudência sobre a questão.
Mas, ainda assim, deixou uma resposta implícita - e uma resposta bem portuguesa - à questão que lhe foi colocada e que consiste em saber se a expressão "Vai para o caralho" é crime ou não é crime.
A resposta é a seguinte:
-Depende. Depende das circunstâncias.
A resposta é bem portuguesa, não é Sim nem Não. É Nim, deixando os portugueses para sempre na incerteza acerca de saber se podem ou não dizer "Vai para o caralho" ao adepto do clube rival sem serem criminalizados e, no limite, postos na prisão.
O acórdão do Supremo (*) é um acórdão muito interessante em vários aspectos, mas o mais interessante de todos encontra-se numa nota de pé de página. Esta:
«[7] Como anota Sérgio Luís de Carvalho, in “Dicionário de Insultos”, Editorial Planeta, pág. 52 “Este é, de facto, um dos insultos mais comuns e mais incisivos da nossa língua. E deve dizer-se que o termo caralho só existe nas línguas latinas ibéricas e em mais lado algum. (...)»
A novidade é que o termo caralho só existe em Portugal e Espanha (carajo). De onde se segue que a expressão "Vai para o caralho" ("Vete al carajo") só tem sentido nos dois países ibéricos e é intraduzível e perfeitamente incompreensível em qualquer outro país da Europa.
Ora, quando Portugal e a Espanha, sob Salazar e Franco, respectivamente, eram países fechados, autoritários, provincianos e atávicos, não só não existia liberdade de expressão, como mandar alguém para o caralho - sobretudo alguém em posição de poder - era uma grande ofensa à sua honra.
Mas Portugal e Espanha não são mais esses países que eram há cinco ou seis décadas atrás. Hoje são países abertos, democráticos, cosmopolitas e progressivos fazendo parte do Conselho da Europa e tendo subscrito a Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
A CEDH garante os direitos humanos fundamentais de maneira igual para os mais de 400 milhões de cidadãos dos 47 países que a subscreveram e, evidentemente, não pode admitir excepções para gregos ou para troianos só porque os gregos ou os troianos são particularmente sensíveis e ofendíveis acerca de uma palavra ou expressão da sua língua..
O TEDH tem 47 juízes, um por cada país que subscreveu a Convenção, e decide normalmente por um colectivo de sete juízes. O que é que acontecerá - se é que já não aconteceu - se um dia a expressão "Vai para o caralho" fôr levada à sua consideração para que os juizes decidam se é crime ou não é crime?
Nenhum dos juizes compreenderá sequer o significado da expressão - excepto se no colectivo estiver o português ou o espanhol. A decisão é mais que certa:
-Não é crime nenhum. É liberdade de expressão.
Quer dizer, um dia, o Supremo Tribunal de Justiça vai fazer outro acórdão sobre a mesma matéria onde, invocando a jurisprudência do TEDH, virá dizer que não é crime nenhum um cidadão dizer a outro "Vai para o caralho"
Esse dia já esteve mais longe (cf. aqui).
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(*) O texto integral do acórdão do Supremo pode ser consultado aqui.
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