O liberalismo, tal como o socialismo, herdeiros respectivamente do calvinismo e do luteranismo, começaram por se opor à autoridade católica. Mas, em breve, o socialismo se renderia à autoridade do Estado, em substituição da autoridade católica, algo que o liberalismo nunca fez.
O momento paradigmático dessa rendição é a governação de Bismarck na Prússia (Kulturkampf, cf. aqui). Tendo perseguido a Igreja Católica, que se ocupava dos serviços sociais de apoio aos pobres e carenciados, Bismarck fê-la substituir pelo Estado, dando origem ao moderno Estado-Social ou Estado-Providência que é a característica económica distintiva do socialismo e que hoje se exibe em toda a sua plenitude em Portugal.
Daí que o socialismo, em termos económicos e sociais, apresente as mesmas reivindicações do catolicismo, com o seu ênfase na redistribuição da riqueza, a sua abundância de padrinhos para proteger os pobres e os carenciados - em que os padres católicos são substituídos pelos políticos socialistas -, e idêntica aversão aos ricos.
Não surpreende sequer que o catolicismo e o socialismo se unam para caluniar o liberalismo como uma ideologia de ricos.
O socialismo afirma o seu carácter revolucionário substituindo o apelo da caridade católica pelo poder do Estado a fim de redistribuir a riqueza e realizar maior igualdade social. Neste caminho, o liberalismo é visto - às vezes pelos próprios liberais -, como uma ideologia conservadora, que visa perpetuar o status quo, mantendo os ricos ricos e os pobres pobres.
A verdade, porém, é que o liberalismo é uma ideologia muito mais revolucionária que o socialismo e daí os calafrios que o liberalismo sempre causou em países conservadores, como são necessariamente os países de cultura católica, como Portugal.
Vale a pena aqui invocar o célebre economista liberal Friedrich Hayek que, já emigrado em Londres, durante a II Guerra, escreveu um livro que teve um enorme impacto na Grã-Bretanha e que se tornou um clássico da crítica ao socialismo. Refiro-me a O Caminho da Servidão ("The Road to Serfdom", 1944).
Nos anos que se seguiram, o Partido Conservador britânico procurou apropriar-se das ideias de Hayek e associar a si o sucesso do livro, levando Hayek a responder e a demarcar-se vigorosamente do Partido num ensaio que ficou célebre: Por que não sou Conservador ("Why I am not a Conservative", cf. aqui).
Depois de um longo e elaborado argumento, Hayek explica por que é que um liberal não pode ser nunca um conservador e pondo-se a si próprio a questão de saber qual o partido que, no seu entendimento, melhor representa os ideais liberais, acaba por responder em favor dos Old Whigs.
Ora, o Whig Party (cf. aqui) foi um partido fundado na Escócia e cujo nome literalmente significa "Partido dos Carroceiros". Este Partido foi tão revolucionário para a época que Samuel Johnson, o conhecido conservador britânico, um dia escreveu que "o primeiro whig deve ter sido o diabo".
O Whig Party, na altura identificado com os carroceiros, uma profissão que entretanto caiu em desuso, hoje seria mais provavelmente identificado como o partido dos camionistas, que são os sucessores modernos dos carroceiros.
Nem os carroceiros, nem modernamente os camionistas, podem considerar-se um paradigma de gente rica, como a propaganda socialista e católica pretende fazer querer acerca da natureza e origem do liberalismo.
Pelo contrário, uma e outra destas profissões estão muito mais associadas a pessoas de recursos modestos. Mas com uma nuance, que caracterizava o Whig Party. Trata-se de gente modesta que, pelo seu trabalho, ambiciona ser rica.
E é aqui que está o carácter revolucionário do liberalismo. O liberalismo é uma revolução pacífica, lenta, permanente e persistente daqueles que, tendo nascido pobres, ambicionam, pelos seus talentos e pelo seu trabalho, um dia ficar ricos.
Para os instalados da vida - que são os verdadeiros conservadores -, seja porque já nasceram ricos, seja porque vivem confortavelmente à sombra do Estado, os liberais representam uma ameaça formidável.
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