16 setembro 2019

uma caixa negra

A revolução democrática de 1974 veio pôr sob o escrutínio público dois importantes poderes do Estado - o executivo e o legislativo. Porém, o terceiro -  o poder judicial -, permaneceu fechado, como uma caixa negra, a tal ponto que ninguém, excepto os insiders, sabe o que lá se passa. E o que lá se passa tem muito do sistema de justiça do Estado Novo e até da Inquisição.

Só muito recentemente a situação começou a modificar-se pela acção de um punhado de jornalistas e de opinion makers que começaram a olhar sem medo para dentro do sistema de justiça e nem sempre gostaram do que lá viram. E neste escrutínio nascente ao poder judicial, eu julgo que é justo realçar a acção do Bloco de Esquerda durante a última legislatura.

O BE foi decisivo na lei que finalmente regulou os conflitos de interesses entre advogados e deputados. E foi também o BE que trouxe para a atenção pública - embora com um certo exagero -, através do caso Neto de Moura, a acção dos juízes em democracia.

O BE foi mesmo o autor de um projecto de lei para disciplinar a actividade dos juízes, impedindo-os de produzirem despachos ou sentenças que violem grosseiramente os direitos fundamentais dos cidadãos (cf. aqui).

Na realidade, o regime salazarista não foi substituído pela democracia para que, em lugar de um Salazar, nós tenhamos um milhar de salazarinhos - um em cada juiz - que põe e dispõe arbitrariamente, a seu bel-prazer, do poder soberano que a democracia lhe confere, e que se sente livre para sacar da pistola para resolver qualquer problema familiar (cf. aqui).

A democracia não é um regime de autoridade arbitrária, é um regime de regras - o chamado Estado de Direito - que compete aos juízes fazer cumprir e dar o exemplo. Também eles - e eles primeiro que todos -, estão sujeitos a regras, que são as leis que lhes compete fazer cumprir. E, quando as leis tenham várias interpretações, os juízes estão sujeitos às regras prevalecentes da sua interpretação, que é aquilo a que se chama jurisprudência.

O projecto do BE para disciplinar e responsabilizar os juízes acabou por cair, suponho que por interferir excessivamente com o estatuto dos juízes e outras leis em vigor, designadamente do processo penal.

Eu  gostaria, porém, de apresentar uma solução alternativa. A primeira vantagem da minha solução é que não mexe com leis nenhumas em vigor. E a vantagem mais importante é a de ser uma solução extremamente eficaz para disciplinar os juízes a decidirem respeitando os direitos fundamentais dos cidadãos.

Portugal é desde 1978 subscritor da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) que contém os direitos humanos fundamentais. Portugal obrigou-se a respeitar a CEDH e a jurisprudência do tribunal que a administra - o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH).

A minha solução consiste, então, no seguinte: Quando os juizes portugueses tomem decisões, nas suas sentenças, que violem a CEDH ou a jurisprudência do TEDH, e o Estado português venha a ser condenado no TEDH, quem paga as indemnizações aos queixosos, não é o Estado português, mas os próprios juízes que produziram as sentenças.

Exemplo: no meu case study, suponhamos que mais nenhum recurso é admissível em Portugal, e eu sou condenado com base no acórdão da Relação do Porto (cf. aqui). O custo total, entre indemnizações, multa, juros,  custas judiciais, despesas com advogados, já vai em cerca de 30 mil euros. Se Portugal vier a ser condenado no TEDH, quem me ressarcirá desta importância não é o Estado português, mas os dois juízes que produziram a sentença condenatória - 15 mil euros cada um.

(Evidentemente, eu não faço esta sugestão para que tenha efeitos retroactivos e se aplique ao meu case-study. A lei aplicar-se-ia apenas aos casos abertos nos tribunais portugueses a partir da data da sua publicação).

Estou certo que se acabavam imediatamente as decisões judiciais arbitrárias em Portugal e que violam grosseiramente os direitos humanos.

É uma solução que deixo à atenção do Bloco de Esquerda - ou, melhor ainda, da Iniciativa Liberal, no caso de conseguir eleger um deputado.

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