No comentário que fez em Maio no jornal Público (acesso pago, cf. aqui) sobre o acórdão da Relação do Porto que me condenou (cf. aqui), o advogado Francisco Teixeira da Mota utiliza dois adjectivos para o qualificar - retrógrado e atávico.
Logo no início, escreve: "Lamentavelmente [Paulo Rangel] acaba de averbar uma vitória nos tribunais portugueses que é uma derrota para todos nós e, em termos europeus, mais uma prova do nosso atavismo cultural".
Dizer que Portugal é um país atávico é uma generalização abusiva. Como país de cultura fielmente católica tem de tudo, pessoas e regiões fortemente atávicas, e outras que estão nos seus antípodas e ainda outras que ocupam todos os graus intermédios.
Lisboa é seguramente uma cidade aberta e muito cosmopolita, talvez a única cidade verdadeiramente cosmopolita do país. No polo oposto, de comunidades fechadas, pobres e autoritárias, não faltam exemplos, sobretudo no interior do país.
Portugal é um dos países mais vezes condenados no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem por violação do direito à liberdade de expressão, isto é, os tribunais nacionais condenam os portugueses por difamação e a seguir vem o TEDH condenar o Estado português por violação do direito dos portugueses à liberdade de expressão (cf. aqui).
Este facto e a circunstância de os jornalistas serem os profissionais mais vezes visados em processos por difamação, trouxe a Portugal, em 2015, uma comissão de um organismo internacional de jornalistas, para avaliar a situação e sugerir medidas correctivas (cf. aqui).
Entre as iniciativas que essa comissão tomou para tentar compreender a situação, contou-se a organização de um conferência em Lisboa. Discutiu-se a jurisprudência do TEDH e explicou-se porque é que numa sociedade democrática, para se manter democrática, o direito à liberdade de expressão tem necessariamente de prevalecer sobre o direito à honra, invertendo o paradigma tradicional.
Foi nessa altura que um participante se levantou para dizer que isso é muito bom de explicar em Lisboa, em Nova Iorque ou em Paris, mas eles que fossem explicar isso lá na terra dele, em Viseu, para ver se conseguiam.
E, na realidade, eu já me imaginei a tentar explicar a um cacique de Bragança, nascido e criado numa sociedade pequena, fechada e autoritária - onde manda quem pode e obedece quem deve - e onde, por tradição, o direito à honra se sobrepõe decisivamente ao direito à liberdade de expressão, que numa sociedade grande, aberta e democrática, aquela de que falava Karl Popper, tem de ser ao contrário - o direito à liberdade de expressão tem de prevalecer sobre o direito à honra.
Eu imagino os olhos de espanto e a sua expressão de incredulidade. É que ele só se consegue ver como cacique porque, cada vez que o contrariam e o criticam lá na terra, ele põe imediatamente um processo em tribunal contra o aldeão por ofensas, e dá-lhe cabo da vida. É assim que ele permanece cacique e o aldeão permanece aldeão, ambos para sempre.
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