(Tema: Terrorismo Judicial - O Caso do Guardião do Tejo)
Depois de 152 parágrafos de queixa, onde a personalidade do Arlindo Marques é arrasada, a exemplaridade da Celtejo na defesa do ambiente exaltada, e o seu direito ao bom nome um sem-número de vezes mencionado, finalmente, ao parágrafo 153º, a Cuatrecasas reconhece ao Arlindo Marques algum direito:
"153º - Sem prescindir, caso se entenda que o Réu não cometeu nenhum facto ilícito, mas exerceu somente a sua liberdade de expressão e de informação, o que não se concede nem aceita e apenas se equaciona por cautela de patrocínio, sempre existe um conflito de direitos de igual hierarquia constitucional - entre a liberdade de expressão e de informação e o direito de personalidade - que deve ser resolvido pela prevalência do último em relação ao primeiro".
Trata-se de um reconhecimento marginal e muito relutante por parte da Cuatrecasas - "... que não se concede nem aceita..." - porque o Arlindo Marques, retratado na queixa como um mentiroso compulsivo e um maníaco egocêntrico, na realidade, não pode merecer muito mais.
Fica-se a pensar se os advogados da Cuatrecasas-Porto mandassem no país como Salazar mandou, que diferenças existiriam entre o regime da Cuatrecasas e o regime do Estado Novo. Não muitas. Em ambos os casos, a liberdade de expressão seria só para eles.
Durante o regime de Salazar, no conflito entre o direito de personalidade (que inclui o direito ao bom nome) e o direito à liberdade de expressão, prevalecia sempre o direito de personalidade, até porque o direito à liberdade de expressão, embora estivesse previsto constitucionalmente, na prática não existia - a censura estava institucionalizada.
Pois é essa jurisprudência do tempo do fascismo que continua na cabeça dos advogados da Cuatrecasas quando escrevem que o assunto "... deve ser resolvido pela prevalência do último [direito de personalidade] sobre o primeiro [direito à liberdade de expressão]".
E para que não fiquem dúvidas de que os advogados da Cuatrecasas pensam como se ainda vivessem no tempo do Estado Novo, mais adiante eles insistem na mesma ideia:
"163º - Em consequência, o Réu, cuja liberdade de expressão deve ceder perante o direito ao bom nome da Autora, deve ser obrigado a indemnizar a autora pelos danos patrimoniais e não-patrimoniais decorrentes da ofensa àquele direito da credibilidade da Autora".
Em 1976, depois da revolução democrática de 1974, Portugal subscreveu a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (cf. aqui) e ficou sujeito à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) em todas as matérias tratadas na Convenção. Um dos seus principais artigos é o Artº 10º que diz respeito à Liberdade de Expressão.
Ora, a jurisprudência do TEDH, que é uma jurisprudência democrática, inverte completamente a jurisprudência vigente em Portugal no tempo do Estado Novo e que muitos juristas ainda conservam na mente por inércia cultural. Os advogados da Cuatrecasas, que acusam o Arlindo Marques, são o exemplo acabado. Estão atrasados mais de 40 anos no exercício da sua própria profissão.
A jurisprudência do TEDH (cf. sucintamente aqui) dá um predomínio decisivo ao direito à liberdade de expressão sobre o direito de personalidade. E tratando-se de um assunto de interesse geral - como é o caso da poluição do Tejo -, essa prevalência é praticamente absoluta.
Em nenhum momento da queixa apresentada pela Cuatrecasas, a jurisprudência do TEDH, que absolve o Arlindo Marques a priori, e retira qualquer mérito à queixa, é mencionada.
Não se compreende como é que uma sociedade de advogados desta dimensão - a segunda maior da Europa Continental e a 26ª maior do mundo - tenha, entre os seus sócios, incompetentes deste calibre que não conhecem sequer a jurisprudência do caso que apresentam em Tribunal para julgamento.
Os advogados da Cuatrecasas mandatados por procuração da Celtejo para tratar do processo são os seguintes: Filipe Avides Moreira, José de Freitas, Vasco Moura Ramos, Raquel Freitas e Maria Benedita Lacerda, cada um deles podendo subdelegar em colegas.
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