Ao contrário do Papá Encarnação que combinava as perguntas e as respostas com as testemunhas e formulava as chamadas perguntas fechadas - "O Dr. Pedro Arroja é um homem de posses, tem 137 ovelhas e 247 cabritos, não tem?" - ao ponto de o juiz lhe ter chamado a atenção, as questões do magistrado X às testemunhas eram neutras e profissionais.
Em nenhum momento percebi alguma pergunta com um enviesamento favorável a uma ou a outra das partes. Pelo contrário, eram perguntas objectivas, precisas e directas ao apuramento da verdade.
A tal ponto que, pela terceira sessão a minha conclusão era firme e disso deixei registo neste blogue. Ele sabia tudo o que se tinha passado, e como se tinha passado. Através daquele célebre Protocolo tinha havido um boicote à obra do Joãozinho, engendrado pela Cuatrecasas e pela administração do HSJ, e que eu só consegui vencer indo à televisão fazer aquele comentário.
A minha convicção de que ele sabia tudo era tal que cheguei a alimentar a esperança de ele proceder contra a Cuatrecasas e a administração do HSJ, senão por boicote a uma obra de interesse público, pelo menos por litigância de má-fé.
Ingenuidade minha que se prolongou até à última sessão do julgamento - a das alegações finais - embora, na véspera, alguns pequenos sinais já me devessem ter prevenido para o que vinha a seguir.
O magistrado X acabaria a recomendar ao juiz a minha condenação
E porquê?
Se ele tivesse fundamentado a sua decisão argumentando que o Protocolo era um documento jurídico competente, e que eu é que, não sendo jurista, o julguei mal e fui injusto no meu comentário, eu teria aceite. Mas não. Nas suas alegações nem sequer mencionou o Protocolo que foi a causa directa do meu comentário televisivo.
Ele recomendou ao juiz a minha condenação pelo respeito que, em abstracto, é devido aos políticos e aos advogados.
Ora, claro que, em abstracto, é devido respeito aos políticos e aos advogados do regime (que ele próprio identificou como sendo o "Estado de Direito"), como é devido respeito aos futebolistas, aos varredores do lixo, e até aos arrumadores de automóveis, sejam ou não do regime.
Mas nós não vivemos em abstracto, vivemos em concreto. Eu não fui à televisão falar em abstracto. Fui falar em concreto - em concreto de um documento que exibia na mão e em concreto dos responsáveis por ele. E na circunstância concreta, nem o primeiro nem os segundos me mereciam respeito porque o documento era juridicamente incompetente.
É disto que se trata.
E o que é que isto tem que ver com o respeito que, em abstracto, é devido aos políticos, aos advogados, e também aos futebolistas, aos varredores do lixo e aos arrumadores de automóveis?
Nada.
O magistrado X recomendou ao juiz a minha condenação por um crime in abstractum. Ora, em abstracto só existem ideias. O meu crime é, portanto, ideológico.
Peço-lhe desculpa. Pensei que crimes ideológicos só existiam no Estado Novo.
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