15 junho 2018

acabou-se a festa

Existe um texto do Salazar que data do final dos anos 20 ou princípios dos anos 30 e que eu, por mais que tenha procurado ao longo dos últimos meses, não consigo localizar.

Nesse texto existe um pequeno parágrafo em que ele se refere à situação da Justiça no período que precedeu a revolução de 28 de Maio de 1926.

Nesse parágrafo ele fala de vizinhos que se denunciavam uns aos outros, de pessoas metidas em sarilhos por causa de denúncias anónimas, pessoas que iam a julgamento sem terem feito mal a ninguém, pessoas que estavam presas sem saberem porquê.

Era o prenúncio da queda do regime democrático da I República. A democracia morre pelo sistema de justiça. Na Alemanha hitleriana dos anos 30, a democracia entrou em colapso a partir do momento em que os juízes começaram a condenar os judeus por tudo e por nada.

A situação da justiça hoje em Portugal não é muito diferente de há um século atrás. No Brasil e em Espanha o estado de degradação da justiça está ainda mais avançado. O problema é que Portugal (tal como o Brasil ou a Espanha) não se reforma por dentro.

Quando, há uns meses, e sob inspiração do Presidente da República, os agentes da justiça - advogados, juízes, magistrados - se reuniram uns dias em Tróia para pensarem a reforma da justiça, eu sorri. São três corporações que fazem parte de uma grande corporação - a dos juristas. Ora, a justiça numa democracia é demasiado importante para ser deixada aos juristas.

Não saiu nada dali como não pode sair nada de um mundo fechado, excepto pequenos ajustamentos e reequilíbrios de interesses entre as corporações envolvidas. Concedo uma excepção aos juízes que, entre as três corporações, são as grandes vítimas do actual sistema de justiça.

Claro que gostei da notícia vinda ontem do Congresso da Ordem dos Advogados citada em baixo. Mas não me deixo enganar. Nada vai sair dali, a reforma da justiça nunca será feita por juristas. Aquele é um mundo conveniente para eles, feito por eles e para eles. Eles nunca o irão mudar.

A reforma da justiça só se fará por alguém vindo de fora que, nas circunstâncias actuais, é mais provável que seja uma troika europeia do que um Salazar, e que, com voz grossa, chegue ali e anuncie: "Meus amigos, acabou-se a festa!". E devolva aquele mundo ao mundo da realidade.

5 comentários:

Anónimo disse...

Sabe onde o texto foi publicado ?

Anónimo disse...

Depois de ter declarado que não sei o que é ser jurista, fui cultivar-me.
Em português e noutros idiomas é um licenciado em direito (ou área próxima, como solicitador) que tem um conhecimento profundo (uma especialização) na leitura, na interpretação das leis.
Simplificando o que li, é um avogado com uma especial sabedoria natural, sem ter feito exames nem provas.
Não há instituição alguma no mundo que ateste que um tipo/tipa é jurista.

Anónimo disse...

Como o Anónimo das 11:49 da manhã estou à sua «indisposição»...
Basta enviar uma sequência de palavras de uma frase — melhor no início ou no fim do tal texto.

Anónimo disse...

Já começaram a atacar o homem

https://www.jn.pt/justica/interior/bastonario-dos-advogados-fura-regra-e-fica-a-ganhar-mais-de-13-mil-por-ano-9473101.html

Anónimo disse...

O Professor Doutor Oliveira Salazar era jurista; da escola de Coimbra; eminente jurista; licenciado, doutorado e docente de Direito.
Do que li da sua obra e da sua política, embora fosse marcadamente paternalista, nada nele escapava à lógica jurídica. O regime que liderou em Portugal (embora, evidentemente, não fosse um Estado de Direito Democrático) era, realmente, um verdadeiro Estado de Direito, assente no mais puro monismo positivista.
Habitualmente, as ditaduras são fundadas/lideradas por líderes carismáticos, populistas ou sociopatas ébrios de vertigens revolucionárias, ou então por caudilhos militares à solta - vd. Lenine, Mussolini, Hitler, Franco, Estaline, Mao, Kim(s), Fidel, Pol Pot, Perón, Videla, Pinochet, Kadahfi, Chavez, etc., etc... Dotadas de regras muitas vezes aplicadas implacavelmente, nelas o exercício do poder em cada nível mantém sempre largas doses de arbitrariedade. Salazar, um civil e tímido erudito, formado num seminário e numa universidade, aparentemente destituído de tais «qualidades» e de autoridade natural, criou e dirigiu habilmente uma ditadura em que a presença do Direito foi, como em nenhuma outra, a mais significativa e próxima de uma perfeição formal, diria «Kelseniana»...
A ideia que tenho é que tudo era previsível... ao ponto de ele ter sido derrubado do poder não por um golpe ou revolução, mas por um simples acidente. Salazar foi vencido e deposto por um objecto inanimado, de quatro patas. E o sistema jurídico que edificou sobreviveu e adaptou-se quase incólume à democracia, mantendo-se até hoje nos seus traços essenciais.
Ao professor P. Arroja esclareço sumaria e superficialmente que Hans Kelsen est(á)eve, já no sec. XX, para o Direito como I.Kant esteve para a Filosofia em geral. Poderá ser considerado o seu lídimo intérprete e herdeiro na Ciência do Direito, transpositor das respectivas ideias filosóficas numa área do conhecimento que desde finais do sec. XIX deixara de ser um ramo da Filosofia Prática, para passar a ser uma «Ciência». E, é claro, uma técnica.
Pedro Cruz