Que diferença existe entre o Reino Unido que permite aos escoceses pronunciarem-se em referendo se querem ou não ser independentes - e se compromete a respeitar a sua vontade (tal como o Canadá, também ele um país de cultura anglo-saxónica, fez por duas vezes em relação ao Québec) -, e a Espanha, que recusa conceder tal liberdade aos catalães?
É uma diferença cultural importante em que a história e a razão parecem conjugar-se em favor da cultura anglo-saxónica nesta matéria.
A história da cultura ocidental e cristã é uma história de uniões e de secessões (Portugal foi protagonista de uma delas). Cristo, ele próprio, foi um secessionista abandonando a tradição judaica em que nasceu para fundar uma outra tradição.
Com este exemplo - um Deus que apelava à comunidade e ao mesmo tempo dava o exemplo da secessão - não surpreende que a cultura cristã, nesta matéria como em outras, acabasse por ser um apelo constante ao equilíbrio entre os dois extremos opostos - união e secessão.
A última grande secessão foi a provocada pelo protestantismo, faz agora 500 anos - uma secessão face à Igreja Católica. Está aí a raiz da tolerância à secessão dos povos tocados pelo protestantismo, como os ingleses, e que não se encontra nos países que não foram tocados por ele.
No extremo oposto do protestantismo, está a Espanha que liderou a reacção católica à revolta protestante. Fê-lo forçando o conformismo e a união e reprimindo a dissensão. A Inquisição foi um instrumento decisivo desta política.
E foi o melhor, ou o menos mau, de todos os instrumentos que se poderiam conceber na altura para evitar as divisões religiosas que, por toda a parte no norte e no centro da Europa, provocaram milhões de mortos.
A Inquisição evitou as guerras religiosas na Península Ibérica, e as vítimas da Inquisição não representam senão uma pequeníssima fracção das vítimas que essas guerras provocaram por toda a Europa do centro e do norte.
Porém, esta forma de governar em que o Estado suprime a dissensão e impõe a união à força, se bem que justificada pelas condições excepcionais da época, não é nem cristã - Cristo nunca obrigou ninguém a aderir a Ele e a própria Igreja Católica é uma comunidade de adesão voluntária - nem se justifica no mundo actual, que é muito diferente.
O Estado espanhol parece continuar a viver segundo uma cultura prevalecente num mundo que já não existe e em que a utilização da justiça como instrumento de repressão política pertence ao passado da Inquisição.
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