Antes de passar a indicar algumas alterações ao nosso sistema de justiça criminal necessárias para o tornar verdadeiramente democrático, e lhe retirar o carácter inquisitorial ou fascista que hoje possui (o mesmo em Espanha que, mais ainda do que em Portugal, foi o centro da Inquisição), gostaria de tratar um detalhe do actual sistema que é decisivo para fazer dele isso mesmo - inquisitorial ou fascista.
Quando chegamos a uma pequena cidade portuguesa e vemos o edifício do Tribunal, uma questão que nos podemos colocar é a seguinte: quem é que trabalha ali?
Para além do juízo cível existe o juízo criminal e, concretamente em relação a este, quem é que trabalha ali?
A resposta é o(s) magistrado(s) do MP, o(s) juiz(es) de instrução e o(s) juíz(es) propriamente ditos.
À parte as grandes cidades, como Lisboa e Porto, em que o Ministério Público (juiz de instrução incluído) trabalham em edifício próprio, e separado do Tribunal propriamente dito, na maior parte das pequenas cidades todos estes agentes da justiça criminal são colegas de trabalho, conhecem-se, muitos deles são amigos.
Conclusão: os acusadores (MP e juiz de instrução) convivem diariamente com o juiz.
Quando o processo chega a julgamento, a probabilidade é que o juiz já o conheça, os magistrados e o juiz de instrução já lhe terão falado dele, quer dizer, é provável que o juiz já tenha os "ouvidos cheios" pelo lado da acusação. Pelo lado da defesa é que ele não tem nada nos ouvidos porque só vai conhecer e ouvir o réu no dia do julgamento. A situação normal é que o réu seja condenado. Está tudo feito para isso.
É preciso um juiz extraordinariamente independente, quase sobre-humano, para conseguir ser imparcial, porque todo o processo está inclinado a favor da acusação e contra a defesa. Este é o sistema de justiça ideal para o Estado (porque todos os agentes da Justiça são agentes do Estado - magistrados, juiz de instrução e juiz) perseguir os cidadãos sob a aparência de que está a fazer Justiça.
Era assim que funcionava a Inquisição. Diz-se, por vezes que as condenações da Inquisição eram feitas por juízes, e não por membros da Igreja. Isso é verdade. Os membros da Igreja eram os inquisidores que depois entregavam os suspeitos a um juiz civil. O problema é que os inquisidores e o juiz civil eram colegas de trabalho. Quando o réu ia a julgamento a condenação era praticamente certa.
Ora, este tipo de justiça que está feita para criminalizar cidadãos, e só subsidiariamente para proteger os cidadãos dos verdadeiros criminosos, não é próprio de uma democracia. De facto, as democracias modernas nasceram na cultura protestante largamente em reacção ao sistema de justiça inquisitorial que punha na cadeia pessoas inocentes, somente porque elas detinham ideias religiosas ou políticas que eram diferentes das ideias instituídas.
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