Portugal nunca será uma democracia funcionável enquanto não acabar com o seu sistema de justiça criminal inquisitorial (ou, em termos laicos, fascista). A versão moderna da inquisição (ou do fascismo) no nosso sistema criminal é o Ministério Público, incluindo o juiz-de-instrução criminal.
Estas figuras não existem nos países que deram origem à democracia moderna, que são os países de cultura protestante, cujo sistema de justiça criminal é designado por adversarial.
Num post anterior escrevi que a principal diferença entre um sistema criminal inquisitorial e um sistema criminal adversarial é que, no primeiro, o sistema de justiça toma a seu cargo a iniciativa da investigação criminal (através do Ministério Público), ao passo que no segundo tal não acontece.
Neste último - o sistema adversarial - a Justiça está no seu lugar e quem quiser acusar outrem de um crime que arranje provas e vá lá ter com ela. No sistema inquisitorial é a Justiça que toma a iniciativa de ir à procura dos crimes e dos presumíveis criminosos (por exemplo, aqui e aqui).
Uma notícia saída hoje permite ilustrar a diferença. A notícia é esta.
Existe uma semelhança clara entre este "Caso Clinton" e o "Caso Sócrates". Em ambos os casos, dois ex-governantes ao mais alto nível são suspeitos de corrupção.
Agora, a diferença: quem desencadeia o processo criminal, quem faz a acusação e quem conduz a investigação?
Nos EUA, é o braço executivo do Estado (Attorney General, correspondente ao nosso ministro da Justiça, um lugar de nomeação governamental - Jeff Sessions foi recentemente nomeado por Trump para o lugar).
Jeff Sessions e a sua equipa do ministério da Justiça vão ter de ser eles próprios a arranjar as provas e a apresentá-las perante um juiz. Do outro lado, estará Clinton a defender-se.
Trata-se de um jogo em que o árbitro é independente entre as duas equipas - a da acusação e a da defesa. É muito provável que o resultado do jogo seja justo.
E em Portugal?
Quem desencadeia o processo criminal e investiga o crime à procura de provas é o próprio poder judicial (Ministério Público). A acusação é subscrita por um juiz-de-instrução (na realidade, trata-se de um falso-juiz, é um acusador) e quando é entregue a um verdadeiro juiz para julgamento, é o poder judicial a julgar um caso em que o próprio poder judicial é uma das partes.
Trata-se agora de um jogo em que o árbitro pertence a uma das equipas - a da acusação (que é também a do poder). É muito pouco provável que o resultado seja justo. O mais provável é que a acusação esmague a defesa isto é, o poder esmague o cidadão - e aqui reside o carácter fascista e antidemocrático do sistema inquisitorial de justiça criminal.
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