A vida tem muitas ironias, a provar que nós nunca seremos donos do nosso próprio destino. Pensamos que a vida segue um curso, e ela segue outro, às vezes radicalmente oposto, e não é raro que dê uma volta inteira de regresso ao ponto de partida.
Duas grandes ironias iriam agora ocorrer na minha vida, e ambas em consequência do artigo da Margarida Gomes.
Nos últimos meses, na esfera pública pelo menos, eu tinha sido completamente votado ao ostracismo, juntamente com a Associação a que presidia, e totalmente afastado dos destinos da nova ala pediátrica do Hospital de S. João para a qual tinha trabalhado intensamente ao longo dos últimos três anos.
Durante esse período eu ressentia o Ministério da Saúde e o HSJ fazerem tábua rasa de todo o trabalho que tantas pessoas tinham dado à obra do Joãozinho, do dinheiro de tantos mecenas não contar para nada, da generosidade e do empenho de tantas pessoas valer zero.
Havia um aspecto, talvez menos importante, mas que eu ressentia também. Era a confusão que propositadamente se lançava em público entre o projecto da Associação para a construção da nova ala pediátrica e o Continente. A mensagem que se passava era a de que, como o Dossier Continente tinha sido chumbado em razão de doutos pareceres jurídicos, a Associação não tinha meios para fazer a obra.
E isto era falso. O Continente nunca foi condição sine qua non para a realização da obra e só pagava cerca de metade dela (cerca de dez milhões de euros em vinte). O Continente apenas antecipava o prazo de pagamento da obra, mas a Associação iria ter os meios para a pagar sem ele. Assim a obra estivesse a andar.
O problema da Associação não era, nem nunca foi, o da falta de dinheiro, mas sim o da falta de frente-de-obra, porque o HSJ não desocupava o espaço e a obra não podia progredir. Mas era conveniente para a propaganda misturar as duas coisas.
Para este clima de opinião e para que eu e a Associação Joãozinho tivéssemos sido afastados durante meses dos destinos da construção da ala pediátrica do HSJ tinha contribuído, e muito, a jornalista Margarida Gomes do Público.
Pois bem, a primeira ironia era a de que seria agora pela mão da jornalista Margarida Gomes que eu e a Associação Joãozinho seríamos reintroduzidos no processo.
Poucos dias depois de a notícia ter saído, eu recebia um e-mail do presidente do HSJ a pedir para falar comigo. Depois de sete ou oito meses no isolamento, a Associação Joãozinho era finalmente chamada à obra para a qual tinha sido constituída, que era a sua missão, e pela qual tanto se vinha batendo.
O Dr. Oliveira e Silva é uma pessoa muito delicada, e eu - talvez, às vezes, não parecendo - não sou muito menos. Em vista da notícia que tinha vindo a público, segundo a qual o Governo acabava de disponibilizar o dinheiro para fazer a obra, ele vinha pedir-me que levantasse o estaleiro da obra e abandonasse o terreno do Hospital porque teria de ser lançado um concurso público e respeitados os procedimentos em obras do Estado.
Discutimos a veracidade da notícia, mas ele não sabia mais do que aquilo que tinha lido no jornal. Eu respondi-lhe que não acreditava que fosse verdade. Na realidade, eu já lhe tinha dito meses antes que, em resultado das duas vezes que tinha estado no Ministério da Saúde, a minha convicção era a de que, enquanto esta equipa ministerial se mantivesse, ele nunca receberia um cêntimo que fosse para obras no HSJ. Não o receberia para renovar as catacumbas - que era assim que eu chamava aos pisos inferiores degradados do HSJ - e muito menos para uma obra nova.
Separámo-nos nesse dia com o compromisso de nos encontrarmos em breve para debatermos o assunto.
Já cá fora, quem me tivesse estado a ouvir, certamente que teria uma pergunta muito pertinente para me fazer, e que seria a seguinte:
-Mas se você acha que é mentira... que eles não têm o dinheiro nem querem fazer a obra... por que é que terão lançado a notícia para a comunicação social?....
A resposta a esta questão, eu tinha-a na ponta da língua:
-Para depois virem dizer que não fazem a obra por minha causa...
Esta era a segunda ironia.
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