Se naquele dia 2 de Novembro de 2015, em que a obra começou, me perguntassem qual era a parte mais difícil do meu trabalho, se aquela que tinha percorrido até ali, ou a que tinha pela frente, eu não teria hesitado na resposta. A parte mais difícil era aquela que já tinha percorrido. O trabalho que tinha pela frente era comparativamente mais fácil.
Sobre a minha secretária eu tinha agora permanentemente um mapa com os trabalhos que, em cada mês, a construtora iria realizar, e o respectivo custo. A obra iria progredindo à medida das disponibilidades financeiras da Associação. O primeiro pagamento de um milhão de euros dava até finais de Fevereiro. Até lá eu arranjaria mais dinheiro.
Era a altura de me pôr ao telefone e dizer a todas as empresas que tinha visitado desde há quase dois anos que tinha chegado o momento da verdade, agora que a obra estava em andamento. Tinha também já vários acordos escritos de mecenato plurianual que totalizavam cerca de milhão e meio de euros e estavam em crescendo.
Tinha ainda promessas de materiais e dentro de alguns meses agiria junto da AEP para accionar em força o mecenato em espécie. Mas acima de tudo, dentro de seis meses, teria terminado e intermediado junto da banca o dossier Continente que me permitiria encaixar pelo menos 10 milhões de euros.
As construtoras tinham entrado no projecto Joãozinho com espírito mecenático e combinei com o Eng. Filipe Azevedo, que era o presidente da Lucios e também do consórcio - porque a sua empresa se situa na Maia, perto da obra, ao passo que a Somague está em Sintra - que, se fosse necessário, o ritmo da obra seria abrandado para se adequar às disponibilidades de dinheiro da Associação.
Não estava excluída a hipótese de paragem da obra por um ou dois meses por falta de dinheiro. Não estava excluída e eu até a via com bons olhos, mas só lá mais para diante. Seria a oportunidade para eu ir junto dos meios de comunicação social e dizer que tinha o hospital das crianças parado por falta de dinheiro. Os portugueses - e os portuenses em primeiro lugar -, que estavam a fazer aquela obra com o seu próprio dinheiro - e não com dinheiro do Estado - não iriam consentir que uma obra destas estivesse parada por muito tempo.
Sem qualquer interrupção, a obra demoraria dois anos a fazer. Eu estimava que a faria e pagaria no prazo máximo de três anos. O protocolo tripartido previa a possibilidade de interrupção temporária da obra. Na realidade, havia três cláusulas-chave no protocolo, e que eram as seguintes:
(i) O HSJ cedia à Associação pelo período de três anos (prorrogável) o espaço onde se iria construir a nova ala pediátrica.
(ii) No fim, a Associação doava a ala pediátrica ao HSJ.
(iii) Se a obra estivesse interrompida por nove meses consecutivos por motivo imputável à Associação (v.g., falta de dinheiro), ela reverteria para o HSJ no estado em que se encontrasse, abdicando a construtora de todos os direitos de retenção.
Tudo isto - e havia mais no protocolo - era diferente da minha ideia inicial de fazer um simples acto de doação da obra ao HSJ nos termos que já referi noutra altura. O HSJ seria o dono da obra, construiria no seu próprio terreno e a Associação Joãozinho reservava-se o papel de mero pagador à construtora.
O protocolo era o trabalho típico dos maus advogados que complicam as coisas simples para se fazerem pagar pela complexidade. Depois são chamados para as descomplicar e fazem-se pagar outra vez por este segundo trabalho. Muitas vezes, passam a uma terceira fase, complicando ainda mais aquilo que já tinham complicado nas duas fases anteriores.
Na clausula (i) o HSJ aparecia a conceder um "favor" à Associação, o que lhe permitia na versão original do protocolo fazer uma série de exigências absolutamente inaceitáveis. É também a única obrigação que o HSJ assume no protocolo - a da cedência do espaço, porque, de facto, a Associação não conseguiria construir o hospital pediátrico no ar; as outras são todas da Associação e, em menor medida, também do consórcio construtor.
Aquela cláusula (i) viria a revelar-se a maior fonte de embaraços para a administração do HSJ que, em Fevereiro de 2016, sucederia à administração do professor António Ferreira, e também para o Governo - e assim permanece até hoje.
A Cuatrecasas não dificultou apenas a vida à Associação Joãozinho com aquele protocolo e, em especial, com a sua cláusula primeira. Dificultou-a ao seu próprio cliente de tal maneira que o HSJ, pelos seus próprios meios, já não consegue resolver o problema. Nem com a ajuda da Cuatrecasas.
É que, se já na altura, se adivinhava o desejo da administração do professor António Ferreira de pôr a Associação Joãozinho dali para fora e inviabilizar a obra, a nova administração veio com esse desejo ainda mais reforçado, porque era secundada pelo novo governo que a nomeou.
Porém, é precisamente aquela cláusula que a tem impedido de concretizar esse desejo.
Sem comentários:
Enviar um comentário