Eu gostaria agora de fazer um pequeno detour, afastando-me do meu tema principal, para voltar a uma comparação que, num post anterior, fiz da cultura católica e da cultura protestante, em termos de um pêndulo, atribuindo maior amplitude à primeira do que à segunda.
Essa comparação indica que há experiências que um homem de cultura católica tem na vida e que um homem de cultura protestante, se permanecer para sempre no seu país, nunca terá. Uma delas é a experiência do burro.
Eu próprio vivi durante anos num país de cultura predominantemente protestante da América do Norte e, um dia, dei-me conta de que nunca lá tinha visto um burro. Passei a estar atento sempre que viajava pelo país, e a experiência, ou a ausência dela, mantinha-se - eu não conseguia ver um burro.
Para além do Canadá, viajei extensivamente pelos EUA, e a regra mantinha-se - eu nunca vi um burro. Comecei a ter saudades de ver um burro. E satisfiz as saudades quando regressei a Portugal. Havia burros em abundância. Existia mesmo uma espécie genuinamente portuguesa do burro - o burro mirandês
A partir de então, já na Europa, sempre que viajava para os países do norte, de influência protestante, eu ia à procura de ver um burro. Viajei por todos esses países, e nunca vi um burro.
Será que nos países protestantes não havia burros?
Afinal, o burro, para além do seu valor económico, é um animal cheio de simbolismo na cultura cristã da Europa Ocidental e da América. Foi montado num burro que Cristo entrou em Jerusalém para, em última instância, vir a ser julgado - um julgamento que violou todas as regras do processo penal e que faria corar de inveja o Ministério Público português - e onde acabaria por ser condenado e morto.
Até que tive acesso a um estudo que confirmava os meus piores receios. Os dados não são actualizados, mas isso não é relevante para o argumento. O estudo é este.
Não existem burros nos países protestantes do norte da Europa e da América do Norte. A excepção é a Inglaterra onde os burros são conservados como uma espécie em vias de extinção.
Na Europa, burros só existem nos países católicos do sul e também nos de cultura ortodoxa (muito próxima da católica), como a Grécia. Portugal é o país com o maior número de burros, atestando o seu genuíno cristianismo. Obviamente, burros existem também em abundância na muito católica América Latina.
A conclusão era óbvia. Se eu perguntasse a um americano, a um canadiano, a um sueco, a um norueguês ou a um finlandês,
-Have you ever seen a man mounted on a donkey?...
ele iria ficar perplexo a olhar para mim. Nunca tinha visto. E, no entanto, eu já tinha visto essa imagem dezenas de vezes na vida.
E se lhe perguntasse,
-Have you ever seen a donkey in a meadow?,
a reacção seria idêntica. Mas eu já tinha visto um burro no prado.
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