Estava uma manhã de sol e, por cerca de duas horas, estivemos a conversar na sala, a porta aberta sobre o jardim. A primeira vez que tinha estado naquela casa tinha sido há mais de vinte anos, quando ele, estando então a entrar no negócio da banca, me convidou para fazer parte do seu projecto bancário. Acabaria por lhe dizer que não - as minhas prioridades eram outras na altura -, mas fiquei para sempre na incerteza se não teria cometido o erro da minha vida.
Era agora meu o projecto de que iríamos falar e eu estava um pouco tenso, embora bem preparado, na situação do aluno que se apresenta a exame perante um professor extremamente experiente, competente e exigente. Deviam-lhe bater à porta todos os anos centenas de pessoas com projectos empresariais ou mecenáticos, como o meu.
Olhando agora para as notas da reunião que então escrevi, e donde vou passar a citar, foi um verdadeiro relatório, inusitadamente longo e detalhado, face aos de outras visitas que fiz ou viria a fazer. Tomei cuidadosamente nota de todas as suas observações e, às vezes, até das suas próprias palavras.
Comecei por expor o Projecto do Joãozinho e ele ficou sensibilizado com a situação das crianças internadas na ala pediátrica do HSJ. Quando lhe mencionei o custo da obra - vinte milhões de euros - considerou a coisa exagerada. Respondi-lhe que nada podia fazer a esse respeito, era o projecto de arquitectura e de engenharia que tinha recebido do HSJ e que me comprometera a executar.
Deu grande importância ao facto de a obra já estar apalavrada com a Mota-Engil - "um grande passo", nas suas palavras. Deu igualmente grande importância à Comissão de Honra e à apresentação do Joãozinho que eu iria fazer em Roma (Vaticano) no final desse mês.
Disse-me que tinha uma Fundação desde há três anos que, "de forma discreta", já concedia auxílio a crianças deficientes, e também a adultos, sobretudo idosos, e até à formação de missionários para África: "Hoje em dia, ao final de cada mês, passo vinte e cinco pequenos cheques". A sua área de intervenção eram prioritariamente os concelhos de Fiães e Mozelos onde estavam localizadas as suas empresas.
Agarrei o assunto das "crianças deficientes". Disse-lhe que, como contrapartida das contribuições mecenáticas que pudesse vir a fazer (*), a nova pediatria do HSJ poderia oferecer às crianças apoiadas pela sua Fundação cuidados médicos e de acompanhamento de primeira qualidade. Por exemplo, através de um protocolo a estabelecer entre as duas instituições.
A ideia pareceu agradar-lhe muito. Disse-me que iria apresentar o dossier que lhe entreguei à Fundação. Actualmente, ele era o presidente, mas somente a título transitório, porque dentro de seis meses iria passar a presidência para a sua filha Paula. Antes, já me tinha falado dos problemas de saúde de que viria a falecer recentemente.
Nas conclusões da reunião que partilhei com os meus colegas da Associação, escrevi que captaríamos o senhor Américo Amorim como mecenas integrando no nosso projecto o projecto filantrópico dele, através da oferta de cuidados médicos e de acompanhamento às crianças deficientes que ele apoia na sua Fundação. Para dar seguimento ao assunto, a pessoa a contactar iria ser a sua filha Paula. E a última conclusão: "É certo que, como empresário que é, só se comprometerá como mecenas, quando vir a obra a correr".
Foi a última vez que falei com o senhor Américo Amorim. Mas ainda antes de a obra estar a correr, um seu familiar próximo viria a tornar-se um importante mecenas do Joãozinho.
(*) Eu estava, na altura, à procura de mecenas que pudessem comprometer-se por um período plurianual, já que me tinha comprometido perante a Mota-Engil a pagar a obra a dez anos.
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