No início de Abril, estava na embaixada da Santa Sé em Lisboa com o núncio apostólico, D. Rino Passigato, um bispo italiano há cinco anos a viver em Portugal. No final desse mês, e no âmbito das Jornadas de Comunicação da Igreja, em que já participara quatro anos antes, eu faria uma apresentação do Projecto Joãozinho na Pontifícia Universidade Gregoriana em Roma.
Pela mesma altura realizavam-se em Roma as cerimónias de canonização do Papa João Paulo II, e a Associação Joãozinho iria estar presente, representada por três senhoras, tendo à frente a Dra. Maria de Jesus Barroso, membro da sua Comissão de Honra. Além disso, pretendia também arranjar uma visita a um dos maiores hospitais pediátricos da Europa, que se situa precisamente em Roma. Trata-se do Hospital Bambino Gesú também conhecido por Hospital do Papa.
Tratados estes assuntos, foi o Projecto Joãozinho o tema central da minha conversa com o núncio apostólico. Nas notas que depois escrevi acerca desta reunião, começo assim: "Gostou muito do Projecto que, segundo ele, representa a verdadeira tradição católica de ajuda aos carenciados, com a primazia da iniciativa comunitária sobre a estatal".
Apreciei o comentário. É que, desde o início, eu me tinha proposto conduzir o Projecto Joãozinho by the book. Refiro-me, evidentemente, ao Catecismo da Igreja Católica.
Houve um momento na minha vida intelectual -, que eu situo talvez há quinze anos -, em que me dei conta que a história da civilização ocidental ou cristã nos últimos cinco séculos se podia resumir numa grande batalha intelectual - e uma batalha intelectual tripartida -, que começou por ser religiosa, e que acabou por se tornar também política e económica.
Começou por ser uma batalha do protestantismo original e luterano contra o catolicismo. Depois, foi também a batalha do protestantismo calvinista contra o catolicismo. E finalmente, os dois protestantismo batalharam entre eles.
Geograficamente, estas três batalhas podiam resumir-se assim. A primeira era a batalha da cultura germânica do norte da Europa contra a cultura católica do sul; a segunda, a batalha da cultura anglo-saxónica das Ilhas Britânicas (mais tarde também da América do Norte) contra o sul da Europa (mais tarde, também contra a América Latina); e, finalmente, a terceira era batalha da cultura germânica contra a cultura anglo-saxónica.
Em termos de doutrina e de ideologia política, a primeira era a batalha do socialismo contra o catolicismo; a segunda, a batalha do capitalismo (ou liberalismo) contra o catolicismo; e a terceira, a batalha do socialismo contra o liberalismo (foi assim que terminou a II Guerra Mundial, e ganhou o liberalismo).
Nestas três batalhas, os intelectuais - mesmo os nascidos nos países de cultura católica -, estavam sempre do lado do protestantismo e contra a sua própria cultura católica. E eu não era excepção, alinhando numa das facções do protestantismo.
Mas havia mais do que isso. Do lado protestante, havia grandes nomes, seja na facção luterana e socialista, seja na facção calvinista e liberal. Locke, David Hume, Adam Smith, Rousseau, Kant, Hegel, Marx...Do lado católico, pelo contrário era o vazio.
Quando nasceu a minha primeira neta - a F. do livro -, vai para nove anos, eu imaginei-a logo a conversar comigo e a perguntar-me, na minha condição de intelectual:
-Oh avô ... tu andas sempre a criticar e a dizer mal de Portugal e dos portugueses... Também vais dizer mal de mim?...
A resposta não demorou a chegar. Não, claro que eu nunca iria dizer mal dela, a minha função era protegê-la, e não diminui-la, menos ainda hostilizá-la. A conclusão que tirei daqui é que foi o grande choque.
Dizer mal dela era dizer mal de mim próprio, dos meus pais, e de todos os portugueses que contribuíram para que eu fosse aquilo que hoje sou - e ela também. Era uma ingratidão, mas era mais do que isso - era uma irracionalidade, literalmente, uma estupidez.
A conclusão era desalentadora. Eu tinha estado do lado errado da batalha das ideias que se travava na Europa (mais tarde, também na América) nos últimos cinco séculos. Tinha de mudar. E fui à procura do armamento. Fiquei desapontado, era quase o vazio.
A primeira reacção do catolicismo às ideias protestantes foi tardia e veio pela mão de um Papa. Aconteceu em 1891 com a publicação da Encíclica Rerum Novarum do Papa Leão XIII. O título significa coisas novas, mas a encíclica tratava de coisas que já eram velhas nas mãos dos inimigos da Igreja e dos países de cultura católica, como Portugal.
Não existia um corpo organizado de doutrina, não se publicava um Catecismo há mais de quatrocentos anos, desde o Concílio de Trento. Como é que se defendia o catolicismo, se ninguém sabia ao certo o que era o catolicismo? Cada um dizia aquilo que lhe vinha à cabeça, em nome do catolicismo. No Brasil, os franciscanos da teologia da libertação já defendiam a luta de classes em nome de Cristo - ele, que veio pregar o amor entre os homens.
Até que em 1993, sob o Papa João Paulo II, mas por mérito do então cardeal Joseph Ratzinger, foi finalmente publicado o novo Catecismo da Igreja Católica. Uma das primeiras coisas que se descobre é que o catolicismo - ao contrário do protestantismo - não é uma cultura do intelecto e abstracta. É uma cultura do coração - uma cultura de caridade (amor) - e muito concreta. No catolicismo não bastam ideias e palavras, é preciso obra e acção. O catolicismo é pensamento em acção.
E foi assim que, desde o início, eu procurei conduzir a obra do Joãozinho.
Sem comentários:
Enviar um comentário