Para construir um hospital pediátrico são necessários dois recursos essenciais - dinheiro e uma construtora.
E destes, qual é o principal? A construtora porque o dinheiro, só por si, não faz hospitais pediátricos. Só as construtoras sabem fazer hospitais pediátricos.
Esta opção que, na altura, como hoje, me parecia inteiramente racional, viria a ser uma das principais fontes das minhas dificuldades futuras. Eu propunha-me entregar à administração do HSJ e, em última instância, às crianças presentes e futuras lá internadas, um hospital pediátrico. Eu não me propunha angariar vinte milhões de euros para os entregar à administração do HSJ a fim de que esta pudesse fazer o hospital pediátrico.
A minha prioridade era a obra - não o dinheiro - porque quando a obra é boa, o dinheiro vem sempre atrás. Colocar a prioridade no dinheiro seria, à partida, condenar o Projecto ao fracasso, como a experiência demonstrara enquanto ele foi conduzido pelo HSJ. É possível angariar vinte milhões de euros sem obra à vista, mas demora muitos anos. Ao final de dois ou três, as pessoas já não acreditam que a obra algum dia seja feita, e é o próprio tempo que se encarrega de matar o Projecto.
A tradição universal ou católica dos portugueses leva-os a imitar tudo aquilo que há no mundo. E, por vezes, são detalhes como este que tornam as imitações difíceis e frequentemente falhadas. Eu estava perfeitamente ciente que iria encontrar muitas dificuldades para fazer uma obra à revelia da tradição cultural portuguesa e que era uma imitação de uma tradição estrangeira.
A tradição portuguesa correspondente à filantropia é a da caridade feita a partir das igrejas católicas locais ou da Igreja nacional. Curiosamente, o Porto é um paradigma desta tradição. O primeiro hospital do Estado na cidade é o Hospital de S. João, inaugurado em 1959. Muito antes disso, porém, a cidade já possuía hospitais, e muitos - Ordem da Trindade, Ordem da Lapa, Ordem Terceira de S. Francisco, Hospital de S. António, Ordem do Terço, etc. Eram hospitais feitos pela comunidade reunida em torno da igreja local.
Para enfrentar as muitas dificuldades que antecipava, eu tinha de estar munido de um princípio de acção, e esse fui buscá-lo ao tempo em que os portugueses foram grandes no mundo. Eram intrépidos, aqueles homens. Mas havia mais do que isso neles, na realidade, havia algo antes disso neles.
Havia um profundo espírito missionário. Se eu tivesse hoje de caracterizar os portugueses no contexto da história universal e das nações, utilizaria duas palavras apenas: grandes missionários. E o expoente máximo do espírito missionário português foi encarnado pelos jesuítas.
Na sessão pública de apresentação da Associação Joãozinho que se realizou no HSJ no início de Março de 2014, eu pronunciei um pequeno discurso escrito. Já não me lembro nada do que escrevi, excepto na parte em que referia que iria fazer aquela obra com "um zelo religioso".
Eu tinha no espírito a figura do missionário jesuíta. E uma promessa feita a Deus.
E o que é que ia no espírito do missionário jesuíta do século XVI?
Creio que o seguinte monólogo:
-A obra é boa ... não é? ... e agrada a Deus...
-Então... vai ter de ser feita!...
-E o obstáculo no caminho?
-Vai ter de sair...
-Como?
-A bem...
-E se não sair a bem?
-Sai a mal.
-A missão tem é de ser cumprida...
-Custe o que custar...
-Agora...arranja-te lá...
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