Ao longo da minha vida, falei milhares de vezes perante as mais diversas audiências e sobre os mais variados assuntos. Mas se eu tivesse de escolher o momento em que falei da maneira mais eloquente de que era capaz, mais aberta e persuasiva, convincente e conclusiva, e também mais emocional, foi naquela tarde do fim de Janeiro de 2014.
Falava numa sala de reuniões da Fundação Manuel António da Mota, situada no Mercado do Bom Sucesso no Porto, perante a Dra. Manuela Mota, filha mais velha do empresário e principal executiva da Fundação que tem o nome do pai. A seu lado, estava o Dr. Rui Pedroto, director da Fundação e filho do lendário treinador.
No final, hora e meia depois, quando saí, sentia um zumbido nos ouvidos, um zumbido esquisito, e que eu associei ao ruído que normalmente acompanha um tremor de terra. Até as paredes tremeram, ou foi assim que eu senti.
Tudo começou vinte minutos antes, no átrio da Fundação. Enquanto esperava pela Dra. Manuela Mota, entretive-me a ver uma exposição fotográfica sobre a vida do pai. O momento que logo me prendeu a atenção ocorreu em Angola, durante os anos sessenta, a guerra colonial estava em curso.
Nessa altura, a Mota & Companhia já tinha expandido para Angola, sob o comando do seu fundador. Um dia, o General Silvino Silvério Marques, então Governador de Angola, chegou junto do senhor Mota e disse-lhe que precisava que ele lhe fizesse duas obras - a ampliação do aeroporto de Luanda e uma estrada ligando a cidade do Luso a Henrique Carvalho.
Só havia um problema. Como nada daquilo estava no Orçamento do Estado, o general não tinha dinheiro para lhe pagar. Por isso, além da obra, pedia-lhe que ele arranjasse o dinheiro. A obra conjunta importava em dez milhões de dólares, uma importância astronómica para a dimensão do país.
O senhor Mota pediu a um amigo que falava inglês que o acompanhasse e partiu para Londres à procura de financiamento. Depois de alguns dias e vários contactos em Londres, disseram-lhe que seria melhor ir procurar em Nova Iorque, porque era muito dinheiro para o mercado londrino.
E ele assim fez. Foi para Nova Iorque, sempre acompanhado do amigo, e aí conseguiu o financiamento. Exigiram-lhe um aval e, com a ajuda do general Silvério Marques, o Banco de Portugal concedeu-lhe o aval.
O empresário acabara de se endividar para pagar uma obra que ele próprio iria fazer para o Estado. Naturalmente, confiava que o Estado um dia lhe iria pagar - e confiava bem porque o Estado português era nessa altura uma pessoa de bem.
Foi um momento decisivo e um salto de gigante na vida da Mota & Companhia que, uma geração mais tarde, já sob o comando do seu filho, viria a tornar-se umas das maiores empresas multinacionais do país.
Acerca do senhor Mota eu fiquei com a ideia que era um daqueles portugueses que hoje só se encontram, talvez, entre o povo - origens modestas e pouco-letrado, mas um homem de palavra, valente e desenrascado.
Entretanto chegou a filha acompanhada do Dr. Rui Pedroto e entrámos para a sala.
Eu pedia desculpa de não a conhecer, éramos praticamente da mesma idade e devíamos ter sido contemporâneos na Faculdade de Economia, mas, francamente, não me lembrava dela. Ela rapidamente me tranquilizou:
-É natural ... eu raramente lá punha os pés...
Não havia muito a falar sobre a história do Joãozinho porque ela e o Dr. Rui Pedroto acompanhavam o Projecto praticamente desde o seu lançamento em 2009, e a Fundação já tinha contribuído para ele de várias maneiras.
Acerca do Joãozinho só me restava enfatizar a obrigação que tínhamos de fazer aquela obra, já que mais ninguém a fazia. Era uma obra em benefício de crianças doentes, era uma obra de Deus. E ao falar de Deus comecei a falar das razões por que eu próprio estava ali. Falei muito. E concluí assim:
-Vai ser operada para a semana outra vez... também se chama Manuela...
Foi assim, num tom bastante emocional que a reunião terminou. Estávamos já de pé junto à porta, prontos para sair, quando senti que tinha uma última palavra para lhe dizer:
-Dra. Manuela ... estive lá fora a ver a vida do seu pai...Aquilo que lhe estou a pedir é o mesmo que o general Silvino Silvério Marques pediu ao seu pai...E ele disse que sim ... e conseguiu... e a vida da sua empresa e da sua família deram um salto de gigante... Estou certo que onde quer que ele esteja...
-Ele está no céu...
-... estou certo que onde quer que ele esteja... ele me está a dizer que sim ... e a pedir que a filha me diga que sim também...
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