Portugal, sendo um país profundamente católico - um palavra que significa universal - tem tudo aquilo que há no mundo. É um país de tudo, e onde tudo pode acontecer.
Tudo aquilo que existe no mundo existe também em Portugal. Tudo aquilo que acontece no mundo acontece também em Portugal - em ponto pequeno, obviamente, numa espécie de amostra, caso contrário o país rebentaria em tamanho.
-Neve? Sim, não é como no Canadá ou na Suíça mas também existe. Na Serra da Estrela.
-Cricket? Seguramente, não falta no Algarve.
-Hijackers? Então não tem...ainda não existiam na América e já os havia em Portugal...[Quer entrevistar um? Eu meto uma cunha às filhas].
-Quer conduzir um Jaguar de 1954? Procure que vai encontrar um português que o tem...(e lho empresta!... para dar uma voltinha...)
-Gosta de comida do Afeganistão? Procure que existe de certeza um português que é especialista nisso...
À força de tanto repetir esta ideia, especialmente junto daqueles que me são próximos, há tempos, pela hora do jantar, um filho meu, que conduzia perto de Viseu, telefonou-me só para me dizer, a sorrir:
-Olha...passei agora por um restaurante afegão!...
A ideia de um país de tudo é uma ideia muito difícil de aceitar pela razão humana e pelos profissionais da razão, que são os intelectuais. Como o Papa Bento XVI disse a propósito do seu co-nacional Immanuel Kant - o pai dos intelectuais modernos -, eles fazem uso de uma razão amputada.
Ora, quem raciocina e argumenta com uma razão amputada selecciona partes da realidade e secciona a realidade - isto é, corta partes à realidade. Por isso, não pode nunca compreender a realidade inteira.
E, normalmente, o intelectual seleciona apenas o lado mau, tornando-se um crítico da realidade [a palavra crítica está no título das principais obras do Kant]. Tudo é mau à volta dele, pessoas e coisas - excepto, naturalmente, ele próprio.(*)
Por isso mesmo, os intelectuais (**) são invariavelmente críticos - e, às vezes críticos ferozes - de Portugal e dos portugueses.
Mas a realidade é diferente. Portugal tem de tudo, tudo aquilo que há de bom e de mau no mundo - e essa é provavelmente a sua maior riqueza (***). Um português não tem de sair do seu país para conhecer todo o tipo de pessoas que há no mundo, todo o tipo de coisas que há no mundo e todo o tipo de situações que se podem experimentar no mundo.
-E a Oceania do George Orwell, também existe em Portugal?
-Claro... pois se Portugal é um país de tudo...
-Com uma burocracia oficial da Mentira ... e uma Novilíngua também... e até com um Winston Smith?
[o homem que procura resistir à despersonalização e à mentira, mas que acaba como um herói falhado].
-Tudo... e com todos os detalhes...
-Como assim?...
-Bom... Não espere encontrar em Portugal uma Oceania do tamanho da União Soviética, que foi onde o Orwell se inspirou...
-Mas onde está, mesmo que seja em ponto pequeno... em amostra?...
-Está no sistema de justiça, em especial no Ministério Público.
(*) O exemplo mais mediático, e também o mais apreciado, é o Vasco Pulido Valente: já o viu dizer bem de algum português ou de alguma coisa portuguesa? Faz justiça ao seu grande inspirador, o autor da obra que dá o nome a este blogue.
(**) Um intelectual é quem ganha a vida pela língua e pela pena, falando e escrevendo para o público.
(***) Por enquanto, porque há quem o queira amputar. De touradas, por exemplo.
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