11 julho 2017

Receios (III): no tempo do fascismo

A honra é o reconhecimento público do bem que existe numa pessoa. Por isso, em princípio, não se deve ofender publicamente uma pessoa (e também não em privado).

Este é o princípio, mas existem excepções. Se Deus pôs a ofensa no mundo é porque deve existir algum bem nela. E, na realidade, existe. Cristo também ofendeu. E em público.

E quando é que a ofensa é um bem?

Quando é verdadeira. Neste caso, deixa de ser ofensa e passa a ser a verdade - um dos valores mais elevados da cultura cristã, e que se identifica com Deus: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida".

Se um homem me vigarizar e eu lhe chamar vigarista, deixa de ser ofensa (calúnia) para passar a ser a verdade, e passa a ser um bem porque alerta toda a comunidade acerca dos riscos de lidar com aquele homem.

É neste momento que tenho de regressar ao tempo do fascismo (1). O Estado Novo era um regime político largamente inspirado em valores católicos. O catolicismo concentra-se no bem que existe em todas as obras da criação e sobretudo no bem que existe na obra suprema da criação, que é o homem. E isto é assim porque Deus, Ele próprio, se revelou através de um homem.

Por isso, ofender o bem que existe numa pessoa - isto é, a sua honra (2) - era um crime muito sério no tempo do fascismo. A menos que se provasse a veracidade da ofensa, caso em que o ofensor seria ilibado e a ofensa passava a ser um bem para a comunidade.

Isto era assim no tempo do fascismo.

Então e agora, que vivemos numa democracia-liberal, já não é?

Não, já não é. Certamente que não quando o ofendido é uma figura pública (3).

Então como é agora?

Vai ter de ler o post seguinte.




(1) Utilizo propositadamente a palavra fascismo, sabendo embora que ela é impropriamente aplicada ao regime do Estado Novo pelos seus detractores.
(2) Os chamados crimes contra a honra são essencialmente três: injúria, calúnia e difamação.
(3) Os EUA nasceram democráticos e possuem uma verdadeira cultura democrática, ao contrário do nosso Portugal, que nasceu absolutista e nunca se entendeu bem com a democracia-liberal.
Já imaginou o que seria dos tribunais americanos se, cada ofensa que é feita ao Trump pelos seus detractores e adversários políticos, e vice-versa, fosse parar a tribunal? Como se não bastassem os americanos, até a Marianinha lá estaria a responder, porque o FBI já a teria vindo cá buscar - precisamente a ela que, quando a ofendem, acha que o autor deve ir para a cadeia.

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