31 março 2017

franciscanos e clarissas

A história do franciscanismo ilustra várias coisas, e eu gostaria agora de ilustrar outra. Não sem primeiro lembrar que muitos séculos antes de  Marx ter nascido já a Igreja sabia o que era o comunismo e lidava com ele. E mais, sabia como os fraticelli, por outras palavras, os comunistas - a versão herética do franciscanismo - tratavam as mulheres.

Estamos de volta a Francisco e a Clara. As Clarissas são chamadas a Segunda Ordem de S. Francisco porque pretendem replicar para as mulheres o voto de pobreza absoluta que S. Francisco instituiu para os homens.

A Igreja aceitou com facilidade o voto de pobreza absoluta para os franciscanos, mas a sua aceitação do voto de pobreza absoluta para as clarissas foi bastante mais difícil, e não sem que antes outros arranjos tivessem sido estabelecidos e postos em prática.

Os franciscanos eram frades mendicantes que se propunham viver na mais completa pobreza, vivendo daquilo que lhes davam. E, na linguagem impressiva do seu biógrafo Chesterton, quando Francisco pedia algo para comer, não pedia o melhor bocado de pão que tivessem para lhe dar, pedia o pior. E quando pedia algo para se cobrir, não era a melhor peça de vestuário que tivessem para lhe oferecer, mas o pior pano que lhe pudessem dar.

Era assim, mendigando na rua que os primeiros franciscanos se sustentavam e sobreviviam. A Igreja não teve dificuldade em aceitar o seu voto de pobreza absoluta.

Mas, quanto às clarissas  - mulheres a pedir na rua, ainda por cima, como era o caso de Clara, mulheres bonitas a pedir na rua...?

Não, nem pensar. Isso não podia ser. Está-se mesmo a ver no que é que isso ia dar.

Os fraticelli, na sua oposição radical à propriedade privada e no seu igualitarismo recusavam até possuir os conventos onde habitavam, quanto mais sustentar as clarissas. Em linguagem moderna, eram uns irresponsáveis que não assumiam sequer a responsabilidade pelas suas próprias casas. E, quanto às mulheres, elas eram iguais aos homens e, portanto, que fossem para a rua mendigar como eles.

Durante um período, Roma ainda chamou a si a responsabilidade pelos conventos franciscanos e pelas clarissas. Mas, com o tempo, tudo acabou por se esclarecer.

Foi assim:

Os fraticelli foram declarados heréticos. Os conventos foram devolvidos aos franciscanos. E uma bula papal declarou ser obrigação dos franciscanos sustentar as clarissas.

É obrigação dos homens sustentar as mulheres (excepto quando elas possam sustentar-se a si próprias) - é a lição a tirar.

Uma lição verdadeira e tão clara como o nome da santa - e que eu, já passados tantos séculos, não me cansaria de repetir aos quatro ventos.

6 comentários:

Euro2cent disse...

> linguagem impressiva

Ai.

As mulheres-objecto disse...

Conclusão: segundo a Igreja, os homens tinham a obrigação de sustentar as mulheres, porque, tal como as vacas, as cabras ou outros animais domésticos, elas eram uma espécie de propriedade dos homens, dos chefes de família.

Anónimo disse...

Quando eu era criança ouvia dizer «no tempo em que os animais falava».
Acredito que os animais continuam a falar.

Monte Zephyrus disse...

A influencia dos Franciscanos e dos Dominicanos apos o rei D. Joao III nao foi nada positiva para a nossa actual relativa miseria material.

O discurso da Esquerda portuguesa por vezes nao difere muito do discurso de membros da Igreja portuguesa de seculos passados.

Ja os Jesuitas tinham outra categoria, mas o Marques expulsou-os.

Anónimo disse...

Caro Zephyrus
Contudo, julgo que Igreja portuguesa, mesmo em séculos passados, nunca falou em confisco e taxação.

Pedro Sá disse...

Era o que mais faltava eu por ser homem ter obrigação de sustentar alguém por ser mulher. E vice-versa.