16 janeiro 2017

Dedicado a todos os liberais

À distância de quase trinta anos depois de o ter lido pela primeira vez, gostaria de comentar o último capítulo do último livro de Hayek (The Fatal Conceit, ver em baixo). Foram as últimas palavras escritas que ele teve para transmitir depois de uma vida dedicada ao estudo do liberalismo.

O capítulo tem o título "Religion and the Guardians of Tradition" e a sua antecipação causou calafrios entre a maior parte dos intelectuais liberais. Abre assim:

In closing this work, I would like to make a few informal remarks (...) about the connection between the arguments of this book and the role of religious belief.

O autor quase pede desculpa:

These remarks may seem unpalatable to some intellectuals because they suggest that, in their long-standing conflict with religion, they were partly mistaken - and very much lacking in appreciation.

Na verdade, aquilo que caracteriza os liberais de todas as variedades é uma característica só - a sua oposição à religião, com a consequente  exclusão de Deus do debate racional.

Aquilo que Hayek tem para dizer - na realidade, sumarizar - é que nós devemos a nossa civilização,e  os padrões que ela atingiu, a um conjunto de regras de conduta e de instituições que nós não criámos, não sabemos quem as criou, não sabemos sequer para que fins foram criadas (dois dos seus exemplos preferidos são a família e a propriedade privada) - numa palavra, à tradição.

E que o principal guardião dessa regras de conduta e instituições - isto é, da tradição - foi a religião.
Por outras palavras, sem a tradição, e a religião que é a sua guardiã, a civilização, tal como a conhecemos, seria impossível. Aqui Hayek quer também afirmar que a civilização seria impossível apenas com regras de comportamento e instituições deliberada e racionalmente feitas por nós.

Em suma, nós devemos a civilização muito menos à razão (e à ciência) do que à fé (e à religião) - a fé em seguir regras de comportamento e adoptar instituições que os nossos antepassados já seguiram, e que deram bons resultados, mesmo se nós não sabemos bem porquê.

Chegado aqui, o passo seguinte seria o de Hayek procurar na religião a origem e racionalidade da tradição, entendida como esse conjunto de regras e instituições. Mas já era tarde para ele, tinha 89 anos na altura e faleceria três anos depois. Sempre fora um agnóstico:

So far as I personally  am concerned I had better state that I feel as little entitled to assert as to deny the existence of what others call God, for I must admit that I just do not know what this word is supposed to mean.

Mas Hayek incentiva os outros a envolverem-se na teologia para responderem à questão, já que as conclusões a que ele e os teólogos chegam são, em muitos casos, as mesmas:

I long hesitated whether to insert this personal note here, but ultimately decided to do so because support by a professed agnostic may help religious people more unhesitatingly to pursue those conclusions that we share.

Depois, uma frase extraordinária:

Perhaps what many people mean in speaking of God is just a personification of that tradition of morals or values that keeps their communities alive.

Se hoje eu pudesse responder a Hayek, diria: É exactamente isso. E a personificação foi feita na pessoa de Cristo.

A terminar:

Yet perhaps most people can conceive of abstract tradition only as a persoanl Will. If so, will they not be inclined to find this will in "society" in an age in which more overt supernaturalisms are ruled out as superstitions?

O que Hayek está a dizer é que, como a religião é considerada uma superstição, e  as pessoas tendem a interpretar a tradição como uma vontade pessoal, existe o risco de que as pessoas venham a identificar essa vontade como sendo a vontade da  "sociedade".

Seria a "sociedade" transformada em Deus. (Estamos quase lá).

On that question may rest the survival of our civilization.

E assim terminou.


7 comentários:

Euro2cent disse...

> sumarizar

resumir.


Por favorzinho.

Anónimo disse...

Quanto ao resto, "mos maiorum" e uns ritos chegavam para os aristocratas republicanos romanos.

Foi preciso um religião de escravos (como tão bem analisou o camarada Frederico) para os submeter.

"Cui bono" é sempre relevante.




Euro2cent disse...

(O latim manhoso é meu)

marina disse...

dedicado aos amigos de Israel , da mercocoisa e dos refugiados

https://www.youtube.com/watch?v=V589-heWr5g

Anónimo disse...

A este Arroja ninguém chupa o caralho.

Anónimo disse...

Ou seja, a religião guardiã mais não é do que uma expressão ideológica da realidade social e das relações sociais. E por isso Deus, o Senhor, já não manda nada nem conta para nada, pois vivemos numa mundo capitalista em que o Mamom é quem mais ordena. Volta Marx que estás perdoado.

José Lopes da Silva disse...

"The Earth will remain inhabitable for at least another billion years. Civilization began only a few thousand years ago. If we do not destroy mankind, these few thousand years may be only a tiny fraction of the whole of civilized human history...

Belief in God, or in many gods, prevented the free development of moral reasoning. Disbelief in god, openly admitted by a majority, is a very recent event, not yet completed. Because this event is so recent, Non-religious Ethics is at a very early stage. We cannot yet predict whether, as in Mathematics, we will all reach agreement. Since we cannot know how Ethics will develop, it is not irrational to have high hopes."