19 novembro 2016

Podia adivinhar-se

Os portugueses raciocinam privilegiadamente no concreto e por analogia. É uma questão cultural, uma marca da sua cultura católica. E se, desde há uns poucos de anos - talvez dois ou três - alguém me pedisse para descrever o Portugal actual através de uma analogia que fosse familiar a mim e a qualquer português, o que é que eu diria?

Assim:

Portugal é como uma grande família em que o pai esteve ausente de casa durante um certo período de tempo.

Quando regressou a casa e meteu a chave à porta, e ainda de pasta na mão, ficou paralisado com o espectáculo que encontrou.

Nem reparou que a maior parte dos seus filhos estavam ausentes no trabalho ou nas aulas a cumprir as suas obrigações diárias. Na realidade, vários deles deles já não vinham  a  casa há muito.
 tempo.

Aquilo que o paralisou foi os que estavam em casa, o aspecto da mãe, e o estado geral em que se encontrava a casa.

Nenhum deles tinha ocupação útil. Passavam o dia em casa. Atiravam objectos uns aos outros, voavam candeeiros e pratos pela casa, os móveis serviam de trincheiras, as janelas estavam abertas e os vidros partidos, os filhos mais pequenos escondiam-se para não serem atingidos pelos mais velhos, a casa estava  transformada num verdadeiro campo de batalha.

Olhou para a cozinha, os pratos que ainda restavam estavam por lavar em cima do lava-loiça, as portas dos armários abertas, os armários vazios.

Da porta de entrada, conseguia ver o frigorífico, que foi o que mais o impressionou. A porta estava aberta, não havia nada lá dentro, num frigorífico que, até ele partir, costumava estar sempre cheio. Tinham tirado tudo de lá de dentro, e ninguém pôs nada lá dentro.

A mãe estava sentada a um canto recolhido da sala naquilo que já tinha sido um bonito sofá, agora todo rasgado e sujo. Tinha o cabelo desgrenhado, a cabeça apoiada numa das mãos, o cansaço e o desespero estampados no rosto. Não conseguia fazer nada daquilo.

Quando o pai meteu a chave à porta, a desordem e o barulho deram um lugar súbito à quietude e ao silêncio, como se todos tivessem ficado paralisados. E foi assim que ele ficou a contemplar o espectáculo durante uns minutos.

Podia adivinhar-se no olhar tudo aquilo que lhe ia no espírito.

Eu penso que, muito mais do que o programa, foram as circunstâncias,  a personalidade e a atitude de Trump que o fizeram ganhar as eleições. Alguma coisa vai mudar.

3 comentários:

Anónimo disse...


The conversation between President-elect Donald Trump and Peter Throw têm sido um mimo.
Parabéns.

Ricciardi disse...

Trump ganhou por demérito patente da Hilary. E, mesmo tendo como adversária uma mulher pouco querida da populaça, Trump teve menos votos.
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Mas nao quero menosprezar o trumpismo. Pelo contrário. É preciso começar a levar a sério este tipo de candidatos popularuchos que agarram as oportunidades conjunturais e capitalizam demagogicamente alguns descontentamentos.
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Porem, vejamos, como bem disse Obama na Alemanha nesta semana. Não tomem a democracia e a paz por garantido. Se acham que é precisar mudar, pensemos que às vezes as mudanças não tem retorno. E quando têm é com custos muiiito elevados.
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Mas enfim, as gerações passam e esquecem as dores e experiências doutras mais antigas. E repetem os mesmos erros. Ever and ever.
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Só nos damos conta do bem que estamos quando mudamos para pior. É a vida.
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Rb

marina disse...

o castigo da tradição era bem melhor que este "castigo nas urnas" . o "castiga nas urnas" pode virar-se contra nós , o corta cabeças não .