Há um pouco mais de seis meses, o eurodeputado Paulo Rangel publicou um livro que teve apresentação no Porto. O livro, que tem o título "Jesus Cristo e a Política" (e que cito apenas a partir das notícias de jornais), inquire sobre uma questão realmente importante, que é a de saber se Cristo tinha ou não uma mensagem política.
A notícia que na altura me chamou a atenção acerca do livro foi a de que, na sua apresentação, na Associação Comercial do Porto, estiveram presentes numerosos políticos, incluindo o primeiro-ministro da altura. Tanto bastou para concluir que a resposta à questão que o livro se propunha resolver haveria de ser Não. E, na realidade, é essa a resposta que o livro fornece.
É uma resposta falsa, porém. Contudo, é esta resposta falsa que tranquiliza a consciência dos políticos, e por isso, estavam presentes na apresentação do livro tantos deles. Foi um momento de lavar de consciência. Se Cristo não tem uma mensagem política, ele é irrelevante para a política, e os políticos podem prosseguir a sua actividade como se Deus não existisse. Em particular, eles não têm de prestar contas a ninguém e podem, assim, construir para si um reino de irresponsabilidade.
É óbvio que Cristo não tinha uma mensagem de política partidária, que é isso que o espírito partidário do eurodeputado Paulo Rangel andou à procura nos Evangelhos e, naturalmente, não encontrou. Existiam numerosas seitas, grupos, corporações no tempo de Cristo (fariseus, saduceus, samaritanos, publicanos, escribas, etc.) e em nenhum momento ele mostrou simpatia por alguma delas.
Pelo contrário, quando o encontramos maximamente zangado é precisamente contra uma seita - a dos fariseus - e contra aquilo que hoje chamaríamos uma corporação - a dos escribas. Em Mateus:23, num curto espaço de tempo, ele chama nove vezes hipócritas a uns e a outros; insensatos e cegos; guias cegos; sepulcros caiados, muito bonitos por fora e cheios de ossos por dentro; serpentes, raça de víboras.
Longe de ter uma mensagem de política partidária, aquilo que Cristo tem é uma mensagem de política comunitária, apelando ao amor entre os homens, que eles se tornem todos irmãos, que toda a humanidade seja uma família. Não compreendo como é que o deputado Paulo Rangel, que é um homem inteligente, não viu que uma mensagem política está nos Evangelhos, embora uma mensagem de política comunitária, e não de política partidária.
Cristo é também o anti-legalista por excelência, o Homem que se hoje voltasse ao mundo e lhe perguntassem se aprova a ideia do Estado de Direito Democrático em que vivemos, teria desancado nela sem dó nem piedade.
Reagindo à religião judaica, que é uma religião de leis, normas e prescrições (são 616 no total as normas que constituem a Lei de Moisés, ou Tora, os cinco primeiros livros da Bíblia), e segundo a qual, Deus está, em primeiro lugar, na Lei, Cristo inverte a ordem das coisas, desvaloriza as leis, normas e prescrições do judaísmo, retendo apenas uma pequena parte, para afirmar que Deus está, em primeiro lugar, nas pessoas, e Ele próprio é o exemplo principal ("Eu e o Pai somos um só").
"Um Estado de Direito, onde a Lei está acima das pessoas, e onde aqueles que fazem e interpretam as leis as fazem cumprir aos outros, mas eles próprios se isentam delas e vivem de privilégios acima da lei, carregados às costas pelo povo? Nem pensar, isso é fariseísmo puro, isso é tudo aquilo contra o qual eu me bati e acabei por dar a vida". Esta seria a resposta de Cristo se hoje lhe perguntássemos o que pensa do Estado de Direito Democrático.
Existem três maneiras de as pessoas se relacionarem entre si, pelo amor, pelo interesse e pelo poder. Em toda a mensagem contida nos Evangelhos esta é a hierarquia estabelecida por Cristo. Quando as pessoas se relacionam pela forma inversa, em primeiro lugar pelo poder, é a lei que regula essas relações, e é contra isso que Cristo se insurge.
Por isso, Ele reduz as leis ao mínimo (essencialmente, das seiscentas e dezasseis prescrições que constituem a Lei de Moisés aos Dez Mandamentos) e chega a afirmar que se o amor prevalecer nenhuma lei é necessária: o primeiro mandamento é amar a Deus e o segundo é amar o próximo como a si mesmo; destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas (cf. Mt: 23: 37-40)
Quanto ao caminho, esse é o da obediência a Ele, que se confunde com o Pai, e não ao Sinédrio, que era o órgão democrático de interpretação e aplicação da Lei pelos judeus, e que acabaria por o condenar à morte. Obediência a um Homem e não a um órgão democrático: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida".
Onde é que encontramos este modelo político proposto por Cristo? Na Igreja Católica. Mas o eurodeputado Paulo Rangel, que se diz católico, estava de costas voltadas para ela, e de frente para o judaísmo (que influenciou largamente o protestantismo cristão do século XVI) e escapou-lhe a mensagem política contida na vida de Cristo.
No mundo pregado por Cristo não existem juristas (os escribas), nem deputados ou políticos partidários (os fariseus). O autor Paulo Rangel, sendo uma coisa e outra, não podia aceitar esta mensagem.
5 comentários:
O homem-massa em construção por engenharia social da Esquerda representa o fim do personalismo católico dos portugueses, especialmente daqueles do Norte e Centro. Com o desaparecimento do cristianismo do povo, abre-se espaço para o totalitarismo e para um mundo de leis e regulamentos. A morte de Deus preconizada pelos jacobinos conduzirá mais tarde ao fim da democracia parlamentar pois só será admitido um modelo, o fascismo (que é um socialismo). Ninguém diz em Portugal, por falta de coragem ou por ignorância da História.
Caro PA, das duas uma: ou procura ter um pouco mais de prudência na hora de citar a Bíblia, ou trata de se dedicar um pouco mais aos estudos bíblicos.
Limito-me a um exemplo: aquilo que lê e refere em Mateus 23 não são palavras de Jesus; são palavras de Mateus, ou melhor, de "Mateus", a comunidade cristã que lhe está subjacente. Retratam tensões próprias de uma época posterior, marcada por Jamnia. Não se aplicam ao tempo de Jesus, em que os fariseus, nas diversas correntes de pensamento em que se situavam, eram comumente bem vistos pela população e muito respeitados. Jesus foi várias vezes percebido, por assistentes ou acompanhantes, como um fariseu, como estando enquadrado dentro desse movimento/grupo.
LOL claro que não. Os políticos foram lá ou para dar graxa a Paulo Rangel, ou por acharem ser sua obrigação estarem presentes naquele evento, ou para encontrarem outros por lá para connections ou, apenas, para A FOFOCA.
Desejo que neste tipo de controvérsia não venham palrar os "fariseus" (V.g. Anónimo das 9:33 da tarde). Há outros blogs.
Claro que Arroja é um abençoado. Topa logo os tolos.
Reagindo à religião judaica, que é uma religião de leis, normas e prescrições (são 616 no total as normas que constituem a Lei de Moisés, ou Tora, os cinco primeiros livros da Bíblia), e segundo a qual, Deus está, em primeiro lugar, na Lei, Cristo inverte a ordem das coisas, desvaloriza as leis, normas e prescrições do judaísmo, retendo apenas uma pequena parte, para afirmar que Deus está, em primeiro lugar, nas pessoas, e Ele próprio é o exemplo principal ("Eu e o Pai somos um só").
Esta opinião é gira mas ligeiramente... bem... errada.
historicamente quais foram as necessidades do judaismo? Manter a coesão da tribo e protege-la dos exterior. Assim teve aumentar " as barreiras á entrada" de estranhos. E por isso criou uma miriade de regras.
O cristianimso pelo contrario é universal e teve de se "vender" de forma pacifica (nos primeiros tempos) a toda a humanidade. Assim, teve de adoptar um numero relativamwnte pequeno de regras que todos pudessem cumprir.
Um exemplo, os primeiros cristãos na Judeia de certeza que obedeciam às exigencias alimentares judaicas (comer kosher) no entanto perante a necessidade de levar a palavra de Deus ao maior numero possivel de pessoas houve elementos acessórios que tiveram de cair (a Iberia nunca se teria tornado cristã se o consumo de carne de porco fosse proibido).
Num certo sentido, o PA tem razão: o cristianimso é acerca das pessoas no sentido de ser acerca de respeitar a sua individualidade, os seus usos e seus costumes.
Rui Silva
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