27 novembro 2014

Verdade


A verdade
Por: Pedro Arroja

Os economistas afirmam frequentemente que o sistema de justiça em Portugal é um impedimento maior ao desenvolvimento e ao crescimento económico. Mas, tendo dito isto, retiram-se, como que tendo cumprido a sua função e alijado as suas responsabilidades,  deixando o sistema de justiça entregue aos mesmos.

Nos inquéritos de opinião aos portugueses, a justiça aparece consistentemente como a pior das instituições do país. Este veredicto do povo português é tanto mais irónico quanto é certo que o sistema de justiça saído da revolução de 1974 se pretendeu construir como democrático.

Mas democrático é que ele não é. É o único sector de actividade no país donde o povo português está completamente excluído, excepto uma classe - a dos juristas - da qual emerge uma verdadeira casta que controla o sistema de justiça.

Na economia do país existem economistas, gestores, engenheiros, trolhas, médicos, até juristas. Na saúde, existem médicos, enfermeiros, administradores hospitalares, técnicos de radiologia e também juristas. Mas no sistema de justiça só existem juristas. Os juízes são juristas, os magistrados do Ministério Público são juristas, os advogados são juristas. Para entrar na Assembleia da República não se exige o cartão de jurista, mas os juristas são a maioria.

Em vista da avaliação que os portugueses fazem do sistema de justiça, e na qual eu me incluo, é preciso dizer então a todos os juristas que ao longo das últimas décadas participaram na feitura deste sistema de justiça, e que diariamente a praticam, uma verdade evidente – a de que  não sabem fazer justiça.

A Operação Labirinto que o Ministério Público mandou para os jornais (cometendo o crime de violação do segredo de justiça e pelo qual nunca nenhum dos seus magistrados ou colaboradores responderá), e que agora ecoa na imprensa, é o exemplo acabado de como não se faz justiça.

Mas mais do que elaborar sobre este caso, semelhante a tantos outros, em que o sistema de justiça - e o Ministério Público em particular, esse diabo à solta no sistema de justiça – lança o opróbrio e arruína a vida de pessoas que, mais tarde, em tribunal, se vem a provar serem inocentes,  eu gostaria de dizer como se faz justiça, já que os juristas manifestamente não a sabem fazer.

Um sistema verdadeiro de justiça assenta em alguns pilares essenciais, de que tratarei hoje aqui o primeiro (deixando os outros para ocasião posterior). E o primeiro e mais importante de todos os pilares da justiça é a Verdade. Não existe justiça sem verdade. Quando o filho mais novo se queixa ao pai de que o irmão mais velho lhe bateu, e o pai se prepara para fazer justiça, aquilo que primeiro procura apurar é a verdade – bateu ou não bateu? -, sem a qual corre o risco de cometer uma grave injustiça sobre o mais velho.

Ora, no nosso sistema de justiça campeia a mentira. (Refiro-me doravante à justiça criminal que é a mais importante de todas). É reconhecida ao arguido do processo criminal a prerrogativa de mentir em sua defesa. Consequentemente, o advogado que o representa no processo também pode mentir. Do lado da acusação, não é o ofendido que a faz mas, nos termos da lei, um procurador do Ministério Público que, estando protegido por imunidade judicial, também pode mentir à vontade.

O cenário está montado para aquilo que é um julgamento em tribunal – é mentira contra mentira, uma construção fantasiosa da realidade, um teatro de mentiras onde a acusação, para ripostar a uma mentira da defesa, arranja uma mentira ainda maior, e a defesa, para se esquivar a esta, fabrica uma nova mentira. No meio deste mar de mentiras está o juiz a procurar discernir a verdade, sem a qual não pode fazer justiça.

Se você for juiz, acha que consegue?

(in Vida Económica, Sexta-feira, 21 de Novembro de 2014)  

7 comentários:

Anónimo disse...

Pois é. O MP representa a facção daqueles que têm de estar contra (mesmo na consciência de que se trata de uma acusação falsa). Do lado da defesa há a percepção de que o MP não é isento e, em face disso, em boa parte dos casos mente para combater a mentira que intui.
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Agora parece que está na moda fazer um papel. O MP faz um papel, independentemente da Verdade. O papel é estar contra e, quem sabe, forjar provas, para sustentar a eventual acusação falsa. Mas não é só o MP a fazer um papel. Ele há o PPC enquanto presidente do partido e há depois o papel de PPC como primeiro-ministro. Há o papel de AC como presidente da camara e há o AC como presidente de camara. Há o jornalista e o comentador.
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De forma que o PPC no papel de presidente de partido diz coisas que o PPC primeiro-ministro não diz.
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Até parecem pessoas diferentes.
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Rb

Anónimo disse...

-Ahh mas vc disse que ia fazer aquilo e não fez.
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-Oh minha senhora eu disse isso enquanto presidente do partido. Nunca disse isso enquanto primeiro-ministro.
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-Está bem, olhe, diga aí ao primeiro ministro que o presidente do partido é um grande bandalho.
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-Vc está a chamar-me bandalho?
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-Não, estou a chamar bandalho ao presidente do partido. Vc é um tipo às direitas.
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-Ah tinha percebido ao contrário.
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Rb

Euro2cent disse...

Sugiro que chamem o juiz-detective chinês Dee, de que Robert van Gulik escreveu umas quantas histórias ( http://en.wikipedia.org/wiki/Judge_Dee )

muja disse...

Ah caramba!

Olha os frustraditos...

Já o MP forja provas contra o menino de oiro e tudo!

São as cavalas!

Ahahah!




IFDL disse...

Ó senhores ! O motorista é defendido pela firma do Proença de Carvalho ! € 400 - por hora - 400 !

Rui Alves disse...

De forma que o PPC no papel de presidente de partido diz coisas que o PPC primeiro-ministro não diz.

Oh minha senhora eu disse isso enquanto presidente do partido. Nunca disse isso enquanto primeiro-ministro

eheheheheh!

Ora nem mais, e não é preciso sequer meter tribunais.

Isto recorda-me quando Jaime Gama comparou João Jardim ao ditador africano Bokassa, para pouco tempo depois, numa visita à Madeira, o elogiar como grande democrata. Face à argolada evidente, desculpou-se dizendo que a comparação com o Bokassa fora na qualidade de presidente da Assembleia, enquanto que o elogio posterior fora na qualidade de comum cidadão. Portanto, o Jaime Gama presidente da Assembleia achava AJJ o ditador, mas o Jaime Gama cidadão considerava-o um grand democrata.

Para usar uma expressão de cá destas bandas, essa foi de cabo de esquadra!

Mas foi uma portuguesa muito talentosa, que já nos deixou, quem melhor satirizou semelhantes parvoíces:

https://www.youtube.com/watch?v=Y9Z8K_No-Kc

Rui Alves disse...

Ou ainda o famoso "desvio colossal" do défice, dito por PPC. Mas para que ninguém dissesse que o governo se estava a desculpar na herança do governo anterior, esclareceram logo que tal não foi dito pelo PPC primeiro-ministro, mas sim pelo PPC líder do partido durante um congresso.

Essa também foi demolidora!