Os portugueses acolhem com facilidade e até
entusiasmo todos os estrangeirismos possíveis, mas nunca resistem a adaptá-los
à nossa cultura. Normalmente com resultados estapafúrdios porque
descaracterizam a ideia original.
Vemos isto na literatura, no cinema, na
arquitetura, na gastronomia e, mais recentemente, até na política.
Depois do 25 de Abril, quase todas as
correntes ideológicas apareceram, cresceram e floriram, aqui no jardim, mas
nenhuma conseguiu emancipar-se da herança salazarista de autoritarismo,
centralismo e colectivismo (Hofstede). Tradição esta que, convenhamos, já vinha
da monarquia.
Ora o salazarismo sem Salazar é um anacronismo
hediondo. Porque é um sistema que depende de um líder iluminado, nas mãos da
turba ignóbil. É assim, por exemplo, que passamos de um período máximo de
prisão preventiva de quatro meses, no Estado Novo, para cerca de dois anos no
Novo Estado pós-25.
Chegamos assim a um ponto em que quase parece
que temos menos liberdade neste início do século XXI do que tínhamos nos meados
do século XX, com Salazar no poder.
Em particular, os partidos do centrão, PS e
PSD/CDS, não se revelaram amantes da liberdade nem respeitadores dos direitos
cívicos.
Como passei muitos anos no estrangeiro,
reconheço com facilidade os xenoenxertos culturais e a descaracterização a que
foram sujeitos. É como se o Portugal moderno fosse uma espécie de “maison” de
emigrantes.
Curiosamente, e para minha grande tristeza,
nem o liberalismo escapou a esta tendência. Os nossos liberais de pacotilha não
acreditam nas potencialidades do indivíduo, na livre iniciativa e nos mercados,
ou acreditam menos do que o próprio Salazar.
Basta passar os olhos pelos blogues liberais
para perceber que defendem o SNS, porque coitados dos pobrezinhos, defendem o
ensino público, porque coitados dos pobrezinhos, e até a segurança social,
porque... coitados dos pobrezinhos.
A maior pecha destes liberais desnaturados,
quanto a mim, é o tribalismo ou sectarismo – conceito absolutamente nos
antípodas do liberalismo. Consideram-se uma seita, em luta com as outras seitas
políticas.
O caso José Sócrates, por exemplo, trouxe ao
de cima o pior deste tribalismo. Vê-se contentamento e ódio a par de tentativas
patéticas de justificar a “prisão preventiva” de alguém que tem todo o direito
a ser considerado inocente até condenado em julgamento.
Como se costuma dizer: ‹‹Podemos tirar a rapariga da
aldeia, mas não podemos tirar a aldeia da rapariga››.
4 comentários:
A maior critica que se pode fazer ao pós Estado Novo é exactamente a faltinha de um comando. Não me parece que em Portugal se consiga governar sem uma cabeça pensante e que, já agora, tenha estima e consideração pela pátria.
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Salazar tinha as duas caracteristicas e por isso mesmo é que se tratou de um governante exemplar e com uma dimensão de estadista que ninguém teve depois das monarquias.
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A par disso não era um lider sanguinário. Uma sorte, vá, pese embora o regime não tolerar a existência de oposição real e perseguir os contras ou exila-los.
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Foram os movimentos populares, como os estudantes, que foram minando o regime como seria inevitável e o desfecho do grande erro de Salazar - a guerra - era inevitável porque as maezinhas e os paizinhos não gostam lá muito de enviar os filhinhos para um guerra sem fim e solução à vista.
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O problema é que Salazar não é susceptivel de ressuscitação. E mesmo que o fosse os tempos são outros. Já não é possivel deter a informação que ele tão bem controlava e limitava. Casos de corrupção eventual contam-se pelos dedos de um maneta. E se bem que ele seria tipo honesto não me parece crivel que quem o rodeava tambem o fosse.
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Um Salazar nos dias de hoje seria como correr com um modelo de formula 1 dos anos 50 a competir com um modelo do seculo 21.
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Se bem que a modernidade, como é o caso de Socrates e Passos Coelho, Santana, Barroso e Guterres, apresenta-nos pessoas em forma de bolides de formula 1 do seculo 21 equipados com motores dos anos 50.
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Rb
Se bem que a modernidade, como é o caso de Socrates e Passos Coelho, Santana, Barroso e Guterres, apresenta-nos pessoas em forma de bolides de formula 1 do seculo 21 equipados com motores dos anos 50.
Desculpa lá, Ricciardi, mas está enganado. No caso deles é mais assim:
https://www.flickr.com/photos/43437033@N03/4036087799/
Pois pois, o importante mesmo é que o menino de oiro não possa ser engaiolado.
Ai os frustradinhos...
E o motorista, com advogado a 400 a hora? Também será inocente, presumivelmente?
Ahahah
Muito bom Joaquim e PA, só posso agradecer: ar fresco e noção. Grande alívio ler-vos depois de nem acreditar no que leio nos Insurgente e Blasfémias (que até hoje acreditava serem uma direita esclarecida e liberal mas que, helas, com isto deixaram cair o pé para a chinela e fizeram dos seus blogs o estendal onde mostram uma visão da politica e ética incipiente senão verdadeiramente sopeiral.
Je
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