Este apelo, embora possuindo um bom conteúdo, está mal dirigido - está dirigido ao Parlamento e, portanto, aos partidos políticos. A ideia dos partidos políticos está de tal modo incrustada no espírito dos intelectuais que, mesmo quando eles querem fazer bem, acabam a pretender fazê-lo por linhas tortas.
Pedir aos partidos para contribuírem para unificar de novo os italianos, e restaurar-lhes o espírito de comunidade, é como pedir ao diabo para se tornar Deus. Porque os partidos são, precisamente, o principal factor de divisão entre os italianos.
Os problemas da Itália são em tudo semelhantes aos nossos, de portugueses, talvez um pouco mais acentuados ainda, porque a Itália é o centro e o país-paradigma da nossa cultura católica comum. Eu partilho a opinião expressa no apelo de que, enquanto não se restaurar o sentimento de comunidade, nenhum dos problemas que nós e os italianos temos pela frente se vai resolver. É a condição sine qua non.
Recentemente, eu e o A. falámos aqui de "sinais de Deus". Ora, eu imagino, às vezes com um certo divertimento, alguns leitores mais distraídos, quando se fala de "sinais de Deus", a olharem para o ar, talvez à espera de verem um meteorito. Mas Deus não se exprime em primeiro lugar por aí. Exprime-se, em primeiro lugar, através das pessoas e os "sinais de Deus" estão em primeiro lugar em cada um de nós. Mas se alguém, neste processo de procura dos "sinais de Deus", quiser olhar para fora, então eu sugiro que comece por olhar para aquilo que tem mesmo diante dos olhos, em lugar de começar por olhar para o ar.
E, no caso dos partidos, o sinal de Deus está mesmo diante dos olhos - está na palavra, partido.
Mas eles partem o quê?
Partem aquilo que está unido, partem aquilo que tem um fim comum, partem a comunidade.
Apelar ao Parlamento e, portanto, aos partidos para restaurarem o sentimento de comunidade em Itália, ou em qualquer outro sítio, é querer escrever direito por linhas tortas. A principal característica de um partido é partir, como a palavra indica, dividir e, portanto excluir - pôr uns contra os outros, destruir a comunidade.
Ora, nenhuma obra importante se consegue fazer na vida senão em comunidade. Cada um de nós - para citar o exemplo mais próximo e não ter de o andar a procurar no ar -, foi feito por uma comunidade de um homem e uma mulher - e eles estavam bem unidos, porque divididos, separados, à distância um do outro, não tinham feito coisa nenhuma.
Os partidos partem todas as comunidades, incluindo a comunidade mais pequena e a mais íntima, que é a comunidade entre um homem e uma mulher. Basta ver o aumento exponencial das taxas de divórcio em Portugal e a redução drástica da natalidade. Até a comunidade homem-mulher eles são capazes de partir.
Partem tudo.
7 comentários:
Democracia e Soberania Popular
Não é difícil encontrar conhecidos autores que se manifestaram, toda a vida e toda a obra, contra a Democracia, ou pelo menos contra o controlo demagógico de alguns sectores políticos sobre as Massas.
Podemos contar, entre os mais fantásticos (e que eu conheço, pelo menos levemente) como Edmund Burke, Donoso Cortés, Alexis de Tocqueville, Erik Kuenheldt-Leddihn, Alexandre Herculano, Maurras, Marx, Proudhon, Platão, Bainville, Aristóteles, Ortega e São Tomás de Aquino.
Nunca a democracia concedeu tal apelo aos intelectuais, não tanto quanto o apelo da tremenda irracionalidade que viram nela um instinto mais baixo da vida social humana estes homens de elevado génio.
A irracionalidade do Sistema Democrático explica-se facilmente.
Estes 15 pontos explicam a irracional crença que o Homem Comum tem na regra da maioria, e explicam também a razão pela qual, se queremos ter uma Constituição saudável com instituições democráticas saudáveis, temos de aprender a temer a democracia e a limitá-la.
Passo a numerar e a expôr, a negrito, as tais falácias:
1- A crença infundada de que todos os homens são iguais. Esta sobre-simplificação é muitas vezes imposta. A igualdade de nascimento custou à Europa muita da sua diversidade cultural. Uma coisa é crer que todos os homens são iguais perante as leis de Deus e por tal dos homens. Outra é querer que todos nascem com as mesmas competências e as mesmas aptidões.
2- A crença de que um ser humano pode errar, mas um conjunto de seres humanos - especificamente a maioria de seres humanos numa comunidade - está impermeável ao erro.
3- Todos são capazes de julgar, por si próprios, uma decisão ou situação política.
4- Todos os homens honestos e inteligentes são populares.
5- O valor funcional do ignorante e do sábio é exactamente o mesmo.
6- As Massas têm um instinto infalível ao erro (cada resultado favorável numa eleição é um sinal de inspiração divina, ou do Povo, como se o Bem fosse adoptado por um instinto de colmeia inapto ao ser humano).
7- As Maiorias estão providas de um sentido inato de justiça (como se vê, todos os dias, quando partidos e sindicatos apelam ao povo, às massas de manifestantes, para "tomarem as rédeas dos acontecimentos").
8- Nenhum ser humano é indispensável, e a sua dispensabilidade pode e deve ser considerada pela Maioria (caso do referendo ao Aborto).
9- A Maioria é a melhor parte do Todo.
10- A Verdade prevalece sozinha, sem apoio. A Mentira nunca vence.
11- Mais progresso material implica mais felicidade para os povos.
12- Uma maioria suprimindo uma minoria é um mal muito menor à opressão de uma maioria por parte de uma minoria. Isto relega à dicotomia pensamento religioso (cristão) vs. pensamento materialista. Para o cristão, uma cidade de pecadores oprimindo um sofredor é um mal muito maior que um pecador injustiçando uma maioria de sofredores. O pensamento materialista limita-se ao sofrimento, esquecendo o factor pecado. Aplicam-se medidas cuja conclusão lógica é a supressão de um indivíduo ao bem-estar da maioria, i.e. eutanásia.
13- Oclocracia é um sinónimo de Liberdade.
14- As Massas valorizam, acima de tudo, a Liberdade. Isto é uma óbvia mentira. Sendo que Liberdade é não sofrer qualquer tipo de coação no prosseguimento de escolhas que não prejudiquem a esfera de direitos de outrem, esfera essa que deve ser na medida exacta da dos restantes cidadãos, poucos - ou nenhuns - movimentos de massas foram feitos tendo como principal motivo o desejo das pessoas de serem "deixadas em paz" - pressuposto passivo. Todos se basearam em pressupostos activos - expropriação de propriedades da Igreja, expropriação da propriedade de algumas minorias, construção de uma sociedade socialista, construção de uma sociedade capitalista/mercantilista, destruição da cultura de um país, nacionalismo - criação de uma entidade colectiva etérea, estranha às pequenas comunidades, panegírico de alguns meios intelectuais - , fascismo, etc.
15- Liberdade, progresso, "democracia", paz e justiça social são processos interligados.
Todos estes processos são independentes um dos outros.
Podemos afirmar que na URSS havia (uma espécie de) democracia - os sovietes e demais instituições eleitas pelos cidadãos - e havia progresso, estavam previstas na Constituição as primeiras grandes medidas de justiça social, mas não havia liberdade para os cidadãos se associarem livremente e constituírem novos partidos, ou deterem propriedade privada, etc.
O mesmo se pode afirmar da França Jacobina, e algo semelhante se poderá dizer dos estados de Cuba e Venezuela.
Numa perfeita sociedade democrática, onde o sistema parlamentar democrático funcione exemplarmente, é necessário que a sociedade civil seja uma sociedade empenhada e alerta, pronta a mobilizar-se para os propósitos a atender, e assim seguir os líderes das facções políticas que atraiam de forma mais convincente as paixões das Massas.
De salientar que, nesta sociedade democrática, está obviamente presente a necessidade de todas as sociedades pela Unidade e Estabilidade. Sendo que estas estão dependentes da regra da maioria, a sociedade democrática veria com maus olhos factores de discórdia e não-conformistas. Tal seria (e é) visto como tentativa de dificultar a tarefa de governar de acordo com a "Vontade Geral". A minoria inconformista estaria a cometer o erro de se colocar no lado da vedação mais despovoado da quinta do Rei Demos.
É importante que um país se governe de forma a que as populações sejam ouvidas no acto de legislar ou administrar.
No entanto, Governo Representativo não quer dizer, obrigatoriamente, Majority Rule. O sistema americano assim o prova.
Por isso o sistema americano será melhor classificado como republicano do que democrático.
Democracia não quer dizer Liberdade, ou Direito à Propriedade, ou à Saúde, ou à Segurança Social, etc.
A discussão democrática legítima, aquela que é feita sem coerção física e segundo um conjunto de regras próprias de uma civilização (supostamente) avançada e de um Estado de Direito, limita-se a procurar uma solução que seja do agrado à Maioria das pessoas envolvidas nela.
Quem defende a Democracia alega que há uma necessidade de Educação da população para conseguir que esta não caia no erro de eleger líderes incompetentes ou decidir questões que são moralmente erradas ou prejudiciais para as suas comunidades e, claro, para elas próprias.
É tudo uma questão de ceder Informação ao Povo, por assim dizer. Quer me parecer que é esta a visão comum dos democratas do nosso tempo (ou melhor, de todos os tempos).
No entanto, quer me parecer também que esta análise peca por uma abstracção quase total da realidade (tão própria dos círculos académicos).
Falo baseado na minha pequena experiência que o voto do cidadão não é mais que uma conjugação de interesses que cada um faz de forma a preservar melhor o que é seu ou as suas ideias e perspectivas.
E passo a explicar.
No processo eleitoral pairam os grupos oligárquicos e sectoriais, desde partidos a seitas, de sindicatos a clubes de futebol.
Organizações que se encontram mais próximas do cidadão do que a ideia mítica (injuriada e injuriosa) do Bem Comum.
Não creio que um enorme conjunto de Informação dada aos cidadãos portugueses preveniria cada um de olha por si e por aquilo que estima.
Formemos os petizes em Filosofia ou Ciência Política desde a 4ª classe, e o resultado será o mesmo.
Apenas uma educação digna do brain wash das repúblicas socialistas soviéticas, ou do nacional-socialismo alemão, seriam capazes de destruir toda a escala de valores das pessoas e das suas comunidades (algo para o qual caminhamos, nesta Sociedade cada vez mais Igual) e impor-lhes a ideia altruísta do Bem Comum de acordo com a directivas de um grupo de gurus.
A democracia num estado de direito só funciona estando prevista a liberdade de associação. A razão para isso, quer-me parecer, é o facto de a Democracia ser muito mais que o exercício de uma escolha individual:
Não tenho dúvidas nenhumas que, nas Sociedades Modernas (as liberais-democracias), a Democracia é uma luta entre Grupos Oligárquicos baseados no seu poder sobre o Dinheiro (a Oligarquia Financeira e Económica), a Comunicação (a “Teatrocracia”) ou o Número (as Massas e a Demagogia).
A procura incessante das democracias globais por governos de conciliação, por Alianças Partidárias entre forças que se crêem fidagais inimigas, levou a um crescimento exponencial da intervenção do governo na vida dos cidadãos.
Aos ocidentais, particularmente, e aos povos que lhes seguiram as pisadas, em geral, trocou-se o pesado fardo do absolutismo monárquico e a exclusividade aristocrática por parlamentos democráticos que possuem um poder estupidamente superior àquele que os anteriores possuíam.
O egoísmo do Monarca Iluminado foi substituído pelo Nostrismo do colectivismo democrático, apoiado pelo seu irmão de século, o nacionalismo étnico.
Daí termos tido, até agora, governos que aumentam os défices e as despesas, que gastam e gastam, que usam o Estado para as suas jogadas pessoais ou vendem-no aos seus amigos e conhecidos, que trocam lugares e hierarquias entre as diferentes forças Oligárquicas.
As confrarias políticas, sejam partidos ou não, estejam representados ou não, negociarão entre si contra uma outra que lhes seja inimiga comum, muitas vezes aliar-se-ão com outras cujos interesses parecem inconciliáveis, mas fá-lo-ão sempre com o objectivo de usar o Poder e dispor dele entre si. A própria ideia de soberania parece-me, cada vez mais, um jogo cansado.
A teoria da soberania popular assenta no pressuposto, na ficção, da existência de uma massa homogénea e com vida própria, o Povo.
Esse Povo, constituído por Homens isolados que tomariam as decisões conforme a sua moralidade e concordância, ocupa o lugar que estava reservado aos Nobres e aos Reis das cidades e Estados das eras Pré-Modernas e Antigas.
Penso que já dei a entender o meu ponto de vista de como tudo isto é falso. As pessoas reúnem-se como bem querem, e exercem a sua opinião conforme o seu interesse pessoal, (e por tal, comunitário ou familiar ou oligárquico ou sectorial) e não público (o bem de todos - definido por uma alta autoridade conciliadora - para o meu bem também).
Em democracia o Povo é "soberano" - na medida em que, sendo todos soberanos, ninguém é soberano, uma soberania de 1/10 Milhões não é soberania nenhuma- , mas o Estado dependerá sempre de conjugações de interesses entre os grupos sociais e políticos.
Estas definições difíceis, com as quais se podem concordar ou não, são vitais à nossa coexistência social.
A soberania popular parece-me, de facto, algo muito irracional.
No entanto, isso não tira aos Povos o direito, a necessidade e o dever de participar no processo político ao eleger uma Câmara que controle o exercício dos Executivos e da Administração, e que legisle.
No entanto, e pelas razões expressas, a participação directa do Povo na governabilidade deve ser limitadíssima, a meu ver, à circunscrição local e à matéria de política regional ou munícipe.
O problema complica-se ainda mais no que toca à Democracia Directa.
Dar à Maioria o direito de exercer a sua prerrogativa moral quanto ao direito de uns a casarem, ou de outros a abortarem uma vida humana, ou até outras questões mais complicadas e inacessíveis, como a entrada para uma confederação ou organização federativa internacional, é entregar a decisão política, que deve ser ponderada e séria, numa luta de interesses e sectores da sociedade que nivelará pelo mais baixo possível da discussão civilizada.
E assim o vimos em todos os referendos que vimos até agora, cá dentro e lá fora.
Manuel Marques Pinto de Rezende
Só cá faltava o anarquismo anacrónico.
Do cada um por si.
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