05 novembro 2013

"Economia, ciência ou nem por isso?"

Miguel Pimentel, num artigo no público expressa as dúvidas crescentes sobre o estatuto da ciência (?) económica.

Os economistas gostariam de ser "cientistas", descobrindo soluções através de leis retiradas da observação... mas isso daria lugar a uma espécie de determinismo social. Quantas mais dúvidas existenciais aparecem nos economistas sobre os óbvios problemas do empirismo como método epistemológico, decorrentes de tratar a economia de forma análoga à ciência natural, mais um dia ficarão surpreendidos com a praxeologia de Mises... quando a descobrirem. Já vi muitos que o leram e não descobriram.

Como diz Hoppe:
"Mas diferentemente de Kant, Mises não tem um interesse específico na epistemologia. Com seu reconhecimento de que a ação é o elo de ligação entre a mente e a realidade exterior, ele encontrou a solução do problema Kantiano de como é possível a existência de proposições sintéticas a priori verdadeiras." 
O facto do homem agir pressupõe um ponto de partida e um ponto de chegada, meios e tempo (daí a dedução que em condições iguais preferirá mais do que menos, ou preferirá o mesmo fim com menos meios, e preferirá antes do que depois, e se assim é valorizará algo antes acima de depois [taxa de juro], etc.).
"A tentativa de refutar o axioma da ação seria ela mesma uma ação que visa um objetivo, que requer meios, que exclui outros cursos de ação, que incorre em custos, que sujeita o agente à possibilidade de alcançar ou não alcançar o objetivo desejado e assim conduzindo a um lucro ou a um prejuízo."
Não estamos aqui a falar do paradigma do "homem racional utilitarista e eficientista", mas da acção propositada, cujos fins e meios são escolhidos pela sua preferência subjectiva, sendo este "subjectivo" não um termo "relativista" mas sim o que expressa o carácter único de cada ser humano.

É algo divertido a tentativa constante de julgar a economia no paradigma do determinável ou ainda que fosse meramente probabilístico. se fosse probabilístico seria igualmente determinista. Ainda Hoppe:
"A história social, diferentemente da história natural, não produz nenhum conhecimento que possa ser usado para propósitos preditivos. Mais propriamente, a história social e a econômica se referem exclusivamente ao passado. O resultado de uma pesquisa sobre como e porquê as pessoas agiram no passado não tem nenhuma influência sistemática sobre se as pessoas irão ou não irão agir do mesmo modo no futuro. As pessoas podem aprender. É um absurdo assumir que alguém poderia prever no presente o que alguém irá saber amanhã e de que maneira o conhecimento de amanhã será ou não será diferente do de hoje."
Exemplo:
"Pegue, por exemplo, a teoria quantitativa da moeda — a proposição praxeológica de que se você aumentar a quantidade de moeda e a demanda [procura] por moeda continuar constante, então o poder de compra da moeda irá decrescer. Nosso conhecimento a priori sobre as ações em si nos informam que é impossível prever cientificamente se a quantidade de moeda será aumentada, diminuída ou deixada igual. Nem é possível prever cientificamente se, independente do que aconteça com a quantidade de moeda, a demanda por moeda a ser mantida em encaixes irá aumentar, diminuir ou permanecer a mesma. Não podemos afirmar que somos capazes de prever tais coisas porque não podemos prever as futuras condições de conhecimento das pessoas. "
Ou seja, é universalmente verdade que:
"se você aumentar a quantidade de moeda e a demanda [procura] por moeda continuar constante, então o poder de compra da moeda irá decrescer"
Mas não existe experiência alguma possível de validar ou refutar esta afirmação. O campo de saber o que vai acontecer aos preços tendo em conta as variações da quantidade de moeda e a sua procura é uma função empresarial e esta é largamente o campo da adivinhação, ou seja, do empreendedor como um especulador sobre a realidade social. O empreendedor não é um economista e a ciência económica nunca conseguirá abarcar o empreendedorismo.

9 comentários:

Ricciardi disse...

Junte duas pessoas. Coloque-as perante uma decisao para fazer.
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Mises diz que essas duas pessoas agem de forma a maximizar o seu interesse individual.
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Cada pessoa age de forma distinta, porque percepcionam a realidade de acordo com a sua experiência e interesse.
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E está certo.
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Mas se juntar 100 pessoas para tomar decisao acerca do mesmo assunto nao vai ter 100 decisoes diferentes. Vai poder agrupar as decisoes, é bom de ver. Para o mesmo facto, por hipotese, 20% da pessoas decidem da forma x, 40% decidem da forma y, e outros 40% decidem da forma z.
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Portanto, perante os mesmos factos podemos ter reaccoes diferentes. Se além desta contagem podermos agregar com o que as pessoas decidiram no passado perante os mesmo factos e juntarmos essas decisoes à decisao de agora, podemos facilmente assegurar q a proxima decisão, perante os mesmos factos, deverá seguir o mesmo padrão.
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Temos, assim, a percepcao do rumo das manadas. Deixa de interessar o que cada um decide, e passa a interessar os caminhos que as maiorias relativas decidem.
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Já sabemos, que perante uma guerra que se anuncia, 10% dos homens fogem para outro país. Nao precisamos de pedir ao Mises para nos dizer como é que cada pessoa vai reagir a uma guerra iminente. Isso nem seria possivel. Qdo acabase de estudar a mente de cada homem, já a guerra tinha terminado.
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Mas se perguntar ao Keynes, ele diz-lhe, olhe comandante CN, vc compre 90 espingardas. Nao compre 100. Ha dez gajos que nao as vao usar.
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E se vc seguir o que Keynes lhe diz poupa dinheiro e percebe que só poderá contar com 90 soldados, embora hajam 100 teoricamente disponiveis.
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Rb

CN disse...

"Mises diz que essas duas pessoas agem de forma a maximizar o seu interesse individual"

Mises não diz isso, quem o diz são os da Escola de Chicago.

Carlos Duarte disse...

Pode ser o Mises ou a Escola de Chicago, mas estão (quem quer que seja) errados na base do argumento.

As escolhas que as pessoas fazem nem sempre são racionais e, quando o são, reflectem por norma a artificialidade da situação (daí, essas "escolhas racionais" aparecem muito em inquéritos que acabam por servir de base à elaboração de teorias sociais).

Na realidade, as escolhas são influenciadas por uma diversidade de factores que resultam em que a escolha, se analisada caso a caso, raramente é a ideal ou a mais vantajosa. O que acontece é uma justificação "à posteriori" da escolha feita, porque o nosso sistema mental (mesmo fisiologicamente, o cérebro) "aldraba" sistematicamente as memórias de forma a dar ideia constante de racionalidade.

A única maneira de analisar o problema é com base estatística e admitindo, à cabeça, que apesar das escolhas NÃO serem racionais as mesmas tenderam a obedecer a distribuições matemáticas que podem modelar correctamente 80-90% das probabilidades (os outros 10-20%, como aprenderam às suas custas os senhores Black e Scholes, são algo expressivos) de algo acontecer.

Portanto, e em resumo, se um economista (ou um político) disser que, com base na teoria económica e avaliando os dados disponíveis, algo terá 50% ou 60% de probabilidade de acontecer, acho que se aceite. Se ele disser 100%, que se dedique à pesca que para aquilo não serve.

CN disse...

Na praxeologia o que interessa é que fazem escolhas e agem segundo elas. É "agir com um propósito" a partir do qual se infere a preferência por antes do que depois, etc.

A aplicação de probabilidades a fenómenos económicos não resolve o problema que em economia esses estudos sõ podem ser considerados estudos aplicados a situações limitadas e nunca a inferir leis económicas (praxeológicas) universais.

Francisco disse...

CN,

para a praxeologia as decisões/acções económicas são completamente independentes da psicologia humana?

Carlos Duarte disse...

Caro CN,

Mas o problema é esse mesmo, em economia não existem leis universais nem podem existir porque dependem (no fim de tudo) de um somatório de vontades individuais. Pode-se falar de probabilidades (e, em algumas delas, as probabilidades serão em termos práticos perto de 100%) mas nunca em "leis" ou certezas absolutas.

Ora isto nunca "bate certo" com a ideia do mercado ser racional ou da mão invisível. O máximo que se pode fazer é extrair "empiricismos" que serão maioritariamente aplicáveis, mas achar que a economia alguma vez poderá ser do tipo "x+y=z" é irrealismo.

CN disse...

Carlos Duarte

A economia como praxeologia produz leis universais, dedutíveis e não-contraditórias sobre as restrições, causas e efeitos.

Como se diz no texto em relação à moeda (se a quantidade de moeda aumentar, e a procura por moeda manter-se, algum preço na economia vai aumentar em relação ao que seria se a quantidade não tivesse aumentado).

O que não pode produzir é o mesmo paradigma de ciências naturais, com modelos , medidas e previsões mecanicistas ou ainda que probabilísticas.

Mas o que faz é estabelecer causas e consequências.

Carlos Duarte disse...

Caro CN,

Claro que estabelece relações causais, mas o "problema" (se é que o é) é que "saltar" daí para lei é uma estica. Se me disser que são princípios, nada a opor. Leis, não. Isso é da estrita esfera das ciências exactas (e suas aplicações) e não é aplicável a ciências sociais como a economia.

No seu exemplo da moeda, se "dissecar" o mecanismo de subida de preço rapidamente chega à conclusão que é possível, por mais improvável que seja, NINGUÉM resolver subir os preços. E a Lei deixa de ter aplicação universal e deixa, por isso, de ser Lei.

Ricciardi disse...

Basta pensar na "lei" da oferta e da procura. Sao tantas a excepcoes a essa alegada lei que faz-me pensar que as excepcoes é q sao a lei.
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Rb