17 março 2009

já não falta muito



Numa outra altura coloquei a questão de saber qual o ministério que, em Portugal, é o mais importante. A minha resposta foi o ministério da educação. Gostaria aqui de elaborar sobre esta questão e comparar o ministério da educação com o ministério da justiça.

A cultura portuguesa está fundada na verdade. Pessoas que julgam possuir a verdade são radicamente intolerantes, porque a verdade não tolera o erro. A verdade é comunicada através do sistema de educação, para além da família. Por isso, um país como Portugal, precisa de um sistema de educação unificado. É essa a função do ministério da educação.
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Sem um sistema de educação unificado, o risco seria a guerra civil quando a mesma geração, educada em verdades diferentes e igualmente intolerantes, se confrontasse na idade adulta e na vida pública. Portugal pode ter escolas e universidades privadas, mas não pode deixar de as submeter à tutela do Estado, concedendo-lhes licenças para o estabelecimento, aprovando os seus cursos e programas, aprovando os seus professores. Daí que as escolas e as universidades privadas em Portugal acabem invariavelmente por ser uma imitação, por vezes uma pobre imitação, das escolas e universidades públicas.

Diferente é a situação na justiça. Os portugueses não podem aceitar variabilidade ou liberalismo na educação, mas podem aceitar perfeitamente variabilidade ou liberalismo na justiça. A razão é que eles não têm sentido de justiça. Dois tribunais diferentes a decidirem de maneira diferente sobre casos idênticos é algo que não choca minimamente os portugueses (aliás, este é o pão-nosso de cada dia do actual sistema de justiça). E não os choca porque eles não conseguem distinguir em qual dessas decisões, se em alguma, é que está a justiça. Tanto se lhes dá como se lhes deu.

Por outro lado, num país cujo defeito principal é as pessoas não possuirem sentido de justiça, um sistema de justiça estatizado e uniforme é o pior de todos os mundos. Em primeiro lugar vai ser mau porque quem o faz não sabe fazer justiça. Em segundo lugar, sendo constituido por funcionários públicos que não possuem incentivo nenhum a aprenderem a fazer justiça, ele permanece mau para sempre.

Este é, portanto, o sector por excelência onde formas organizacionais diferentes do Estado central são necessárias por forma a incentivar as pessoas a aprenderem a fazer aquilo que elas naturalmente, e por defeito da sua cultura, não sabem fazer - justiça. Para além da feitura das leis e da utilização do seu poder coercivo para fazer cumprir as decisões dos tribunais, a justiça é o sector onde o Estado central não só é dispensável, como é o principal promotor da péssima qualidade da justiça.

Descentralizar a justiça, tornando os tribunais dependentes de orgãos intermédios da administração (v.g., autarquias locais, regiões quando existam), com capacidade autónoma de gestão e de empregar os seus próprios juizes, e incentivar tribunais privados em certas áreas altamente especializadas (v.g., económica e financeira), é a única maneira de educar os portugueses numa capacidade que eles não possuem - a capacidade de julgamento - e em última instância de se conseguir fazer justiça no país. A diferenciação do preço para julgar um certo caso típico seria a primeira indicação de qual dos tribunais melhor justiça faz.

É claro que eu não tenho a mínima esperança que, na situação actual, esta solução possa ser adoptada, em parte porque a falta radical de julgamento dos portugueses nunca conseguirá, em primeiro lugar, fazer justiça à própria proposta que acabo de apresentar. O actual sistema de justiça vai ter primeiro que se desmoronar - e já não falta muito - para depois ser reconstruido em bases inteiramente novas, e só nessa altura as soluções que acabo de apresentar poderão ser introduzidas.

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