18 fevereiro 2009

o caminho para Cristo


Para os leitores que têm seguido os meus últimos posts, eu gostaria de colocar uma questão, que para mim é muito importante, e de partilhar a resposta.

A questão é a seguinte: Pode Portugal viver duradouramente sem censura?

Nas minhas preferências, eu desejaria que a resposta fosse afirmativa. Porém, a razão conduz-me sempre a uma resposta inequivocamente negativa. É certo que a história de Portugal nesta matéria nunca deixou lugar a grande optimismo. Há muitos séculos que Portugal não consegue viver duradouramente sem censura. E mesmo nos curtos períodos em que, na lei, vigorava a liberdade de expressão, a realidade era, por vezes, bem diferente.

Retomo agora os argumentos dos meus últimos posts para responder à questão acima. Não o farei, porém, sem algumas considerações preliminares. A primeira é que todas as sociedades necessitam de alguma forma de censura. A segunda, mais importante no presente contexto, é para referir que, ao contrário daquilo que geralmente se pensa, existe censura - e da dura - em países como a Inglaterra e os EUA, que são os países que em Portugal normalmente são tomados como paradigmas da liberdade de expressão.

Aquilo que acontece é que a censura nesses países se exerce na esfera privada, na família, na escola, no grupo de amigos, na vizinhança, no emprego - e não na esfera pública, como tradicionalmente é o caso em Portugal. A família média inglesa ou americana, na educação que dá aos seus filhos, exerce sobre eles formas de censura de palavras e comportamentos que seriam impensáveis em Portugal. Noutro plano, experimente, num país desses, assar sardinhas no seu quintal, brincar com o seu filho fazendo barulho, ainda que leve, para o vizinho de baixo, fumar no emprego ou ser desrespeitoso para com as autoridades.

A unidade da sociedade inglesa ou americana é realizada na esfera privada, é aí que todos são supostos parecer bem e parecerem iguais. A partir desta unidade, que lhe é conferida pelo cristianismo, cada um é livre de seguir o seu caminho, que é o caminho para Cristo. A censura pública nesta sociedade seria um crime, porque impediria cada homem de exprimir a sua individualidade em público e de chegar a Cristo. Para um português que conheça a Inglaterra ou a América, uma das primeiras felicidades que ele sente ao voltar lá é a possibilidade de poder exprimir a sua espiritualidade e a sua individualidade em público, de ser e dizer em público aquilo que é e diz em privado.

É diferente em Portugal. A unidade da sociedade portuguesa realiza-se em público, é aí que todos são supostos parecer bem e em que todos parecem iguais. É aí que se exprime a devoção das pessoas a Deus (ou à Virgem ou ao Santo Padroeiro). Esta unidade fica quebrada se um começa a chamar nomes ao outro, fazendo-o parecer mal perante Deus e os homens. Só pode esperar retaliação e a seguir a desordem, e a unidade fica quebrada. O crime mais fracturante da sociedade portuguesa é a maledicência pública, especialmente nas suas versões mais duras - a injúria, a difamação e a calúnia. Sem censura, sem leis que se façam cumprir (*) e que penalizem severamente estes crimes, esta sociedade vai-se partir. É necessário tempo, mas tempo é tudo o que é necessário.

(*) Estas leis existem, só que não se fazem cumprir. Pois se até mentir em tribunal ou às autoridades judiciais deixou de ser crime. É o estatuto do arguido. Para me safar a mim, eu incrimino outro - não é crime.

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