16 novembro 2014

Proteccionismo e declínio civilizacional

Quando no século XIX os Europeus chegaram à Tâsmania,  encontraram o mais pequeno kit de ferramentas de qualquer povo à face da Terra. Os quatro mil habtantes da ilha tinham um nível de sofisticação e bem-estar bastante inferior ao dos seus vizinhos na Austrália. Já no século XIX, arqueólogos descobriram algo fascinante: cerca de 8 mil anos antes da descoberta da Tâsmania por Europeus, os habitantes da ilha utilizavam um conjunto de ferramentas bastante mais sofisticado, semelhante ao dos seus vizinhos da Austrália. Para quem julga que a modernidade é uma função sempre positiva do tempo, isto pode parecer paradoxal.

O que aconteceu foi que 8 mil anos antes inundou-se o estreito de Bass, fechando qualquer ligação entre a Tasmânia e a Austrália. Os dois povos deixaram de comunicar. Isolados, o povo da Tasmânia foi lentamento perdendo a capacidade de produzir objectos mais complexos, que requerem um maio nível de especialização dentro da população. Com um fraco nível de especialização, muito do conhecimento e capacidade de produção para objectos complexos perdeu-se. A população da Tasmânia vivia bastante pior no século XIX do que 8 mil anos antes.

A lição da Tasmânia está, ainda hoje, bastante longe de ter sido aprendida. O nível de especialização e respectiva inovação tecnológica nas sociedades modernas continuou a aumentar e a permitir melhorias constantes no estilo de vida, especialmente no ocidente. Isto acontece em grande parte devido ao comércio internacional que permite a especialização necessária para produzir diversos bens e serviços da forma mais eficiente possível. Deixadas numa ilha coberta de recursos naturais, 100 mil pessoas tiradas ao acaso não conseguiriam reproduzir tudo o que hoje consideramos essencial, da internet à comida embalada. O que temos hoje só é possível porque 4 mil milhões de pessoas têm uma função específica, irrepetível, que torna possível a produção de iPhones e de operações a hérnias discais.

Portugal tem 10 milhões de habitantes, num Mundo com 7 mil milhões. Apenas um em cada 700 pessoas no Mundo é portuguesa, um rácio bastante inferior ao que existia entre a Tazmânia e a Austrália. O fecho mesmo que apenas parcial do país ao comércio internacional, colocaria nas mãos de 10 milhões de pessoas o trabalho de criar, vender e prestar a mesma diversidade de serviços que 7 mil milhões de pessoas conseguem fazer. O declínio seria inevitável, tal como todas as nações que antes optaram pelo proteccionismo.

32 comentários:

Anónimo disse...

Caro CGP,

Excelente perspectiva :-)
ABÇ

Joaquim

Carlos Guimarães Pinto disse...

Obrigado.

Grande abraço,

Carlos

muja disse...

Excelente perspectiva se se ignorarem coisas tão menores como livros, correio, telégrafo, telefone, discos compactos ou a internet.

Portanto, o proteccionismo é mau porque se de repente os portugueses fossem colocados numa ilha deserta regrediriam até à idade da pedra.

Ou estarei a perceber mal?

Carlos Guimarães Pinto disse...

muja, entre a ilha deserta e o comércio absolutamente livre, há um número infinito de possibilidades de organização com os respectivos resultados. Quanto mais próximo estivermos de um dos extremos, mais os resultados se aproximarão do resultado desse extremo.

Euro2cent disse...

Este fim de semana aqui está difícil. É só gente com bons miolos a fazer raciocínios coxos. A tese até pode ser verdadeira, mas a demonstração inspira pouca confiança. (Sim, pois, num caso uma população pequena e isolada regrediu, portanto comércio livre em geral. É fulgurantemente óbvio.)

Vivendi disse...

A época áurea dos portuguesas foi feita a rasgar e a descobrir novos mercados.

Mesmo Salazar não se importava com as vantagens do livre mercado mas estava sempre com um olho no burro e outro no cigano para o país não acabar na mãos de credores estrangeiros.

Rui Alves disse...

Há possivelmente mais uma falácia neste raciocínio. Suponho que o povo da Tasmânia não tinha escrita (foi dito que o kit de ferramentas era o mais básico possível, portanto não haveria sequer alfabeto) e portanto a única forma de preservar o conhecimento tecnológico seria via transmissão oral. Se tivessem o conhecimento tecnológico registado em pergaminhos teriam regredido?

Está a apontar como exemplo uma civilização que se isolou geograficamente, incomunicável e sem memória escrita durante milénios, para justificar a necessidade do laissez faire na era das telecomunicações, da imprensa, dos transportes, dos alfabetos, dos bits, dos suportes magnéticos e ópticos de dados, das linguagem matemáticas e científicas.

Lamento! Valeu a tentativa, mas não cola.

Carlos Guimarães Pinto disse...

"Se tivessem o conhecimento tecnológico registado em pergaminhos teriam regredido?"

Teriam, por 4 mil pessoas não permitem o mesmo nível de especialização que 100 mil, independentemente do conhecimento acumulado estar registado.

Ricciardi disse...

CGP,

O comercio internacional livre, sem restrições alfandegarias, só é possivel e ecomicamente vantajoso se, e só se, a aldeia global o praticasse sem restrições.
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Economias como EUA e UE faz sentido o livre comercio.
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Economias como UE e China já não faz sentido esse nivel de liberdade porque laboram em enquadramentos legais, culturais e éticos muito diferentes, desvirtuando o merito empresarial.
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Eu vou mais pela bitola dos acordos bilaterais entre nações (sim elas existem e não são entidades abstractas): com este país negociamos isto e com aquele aquilo. Nessa negociação deve estar sempre presente o interesse nacional das partes.
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É como na nossa vida particular. Um gajo não entra em acordo com toda a gente. Ele há malucos, sanguinários e deficientes. Um gajo chega a acordo com quem nos parece pautar-se pela mesma bitola de interesses.
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Rb

muja disse...

Pois, eu estou mais ou menos como o Rb.

É mera questão de interesses. É negócio.

Se o proteccionismo, em determinada altura ou circunstância, oferece melhores vantagens para o negócio, então é isso mesmo que há a fazer.

Neste momento, teria toda a lógica proteger certa, para não dizer toda, indústria portuguesa - ou o que dela resta.

E isso não se faz proibindo o comércio. Faz-se regulando-o através de acordos bilaterais: tu compras-me isto e eu compro-te aquilo.

Mas para haver essa liberdade, só fora da união soviética 2.0 e sem abrileiros aos comandos.

Anónimo disse...

O autor trata como se fosse a mesma coisa (mistura, confunde) a circunscrição (territorial, social, nacional) económica e isolamento a todos os níveis. Pode haver países ou sociedades que imponham a si mesmas normas e regras de funcionamento da economia sem que tal implique o isolamento cultural. Ainda que se compreenda que, no passado, o comércio e liberdade económica tenha sido o principal veículo ou mecanismo de difusão e incremento civilizacional.

Cfe disse...

O texto só faz sentido se o modelo proposto a Portugal for o da Coreia do Norte.

Cfe disse...

"Teriam, por 4 mil pessoas não permitem o mesmo nível de especialização que 100 mil, independentemente do conhecimento acumulado estar registado."

Quer povo mais "desenrasca" que o português? Com um dos maiores percentuais de emigrados no mundo. Com "espiões" em tudo quanto é sítio aprendendo o know How alheio, peneirando e adaptando o que se é capaz de fazer, os portugueses possuem sim a capacidade de selecionar o que é melhor para si.

Cfe disse...

Obviamente Portugal não fará tudo, mas tb não conheço ninguem que tenha proposto essa ideia.

Ricciardi disse...

Mas eu coloco ao caro CGP umas questões concretas:
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1º Defende a abertura ao comercio de produtos a países que criam barreiras à entrada dos nossos?
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2º Defende a abertura a produtos de países cujo enquadramento legal e exigências para a produção sejam inexistentes?
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3º Se o seu vizinho o proibir de entrar no terreno dele para apanhar as suas castanhas que lá caem, vc deixa-o entrar para ele apanhar os figos que caem no seu terreno.
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4º Se tiver de optar entre duas empregadas domésticas para cuidar da sua casa qual destas escolheria:
a) Ucraniana com direito a contrato de trabalho e descontos e assistencia na doença e restantes cenisses e com os deveres normais de qualquer trabalhador. Esta custa 500 euros por mês.
b) Ucraniana sem direitos alguns (e sem deveres) mas que lhe custa 300 euros por mês.
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Rb

Carlos Guimarães Pinto disse...


Eu sei que o Ricciardi faz todas essas questões com reserva mental. Mas, força, aproveite as respostas:

1º Defende a abertura ao comercio de produtos a países que criam barreiras à entrada dos nossos?

Sim. O sol dá-nos luz à borla e não importa nada. Arrasa a indústria das velas terrestre, mas acho que vale a pena.



2º Defende a abertura a produtos de países cujo enquadramento legal e exigências para a produção sejam inexistentes?

Sim, a verificação de qualidade deve ser feita sempre internamente (aliás, é o que já acontece hoje)

"3º Se o seu vizinho o proibir de entrar no terreno dele para apanhar as suas castanhas que lá caem, vc deixa-o entrar para ele apanhar os figos que caem no seu terreno."

Sim, se pagar pelos figos que apanha e ninguém me pagar mais por eles.

"4º Se tiver de optar entre duas empregadas domésticas para cuidar da sua casa qual destas escolheria:
a) Ucraniana com direito a contrato de trabalho e descontos e assistencia na doença e restantes cenisses e com os deveres normais de qualquer trabalhador. Esta custa 500 euros por mês.
b) Ucraniana sem direitos alguns (e sem deveres) mas que lhe custa 300 euros por mês."

a) se a diferença for só 200 euros. MAs não vejo qualquer problema em, sendo legal e voluntário, que se possa fazer b).

Ricciardi disse...

Bem, os seus «sim's» parecem-me mais «não's».
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Senão vejamos:
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«Sim, a verificação de qualidade deve ser feita sempre internamente»
- A isto chama-se de barreiras à entrada.
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«Sim, se pagar pelos figos que apanha e ninguém me pagar mais por eles.»
- A isto chama-se taxas alfandegárias.
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Rb

Ricciardi disse...

É aquilo que se chama de respostas que dão para tudo. Vc meteu-lhe um sim, mas tambem dá para um não.
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Agora fez-me lembrar os meus tempos na universiadade. Tinha uma exame a Marketing e discorri violentamente acerca de uma pergunta. Comecei por dizer «Não» e justifiquei com duas paginas o «não». O meu vizinho que era aluno brilhante à disciplina disse-me baixinho: a resta à pergunta é «SIM». Eu já não tinha tempo de mudar a resposta e risquei o Não e substitui-o pelo Sim. O desenvolvimento ficou o mesmo.
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O espantoso é que tirei um excelente nota.
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Portanto, caro CGP, se mudar o seu São para um Sim parece-me mais apropriado.
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ehehe
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Rb

Carlos Guimarães Pinto disse...

"«Sim, se pagar pelos figos que apanha e ninguém me pagar mais por eles.»
- A isto chama-se taxas alfandegárias."

Não, chama-se pagar pelas exportações. Ninguém vem cá apanhar figos, vêm cá comprá-los.

"«Sim, a verificação de qualidade deve ser feita sempre internamente»
- A isto chama-se de barreiras à entrada."

Só se os níveis de exigência forem superiores aos impostos aos produtores locais. Não sendo, os produtos importados apenas têm que passar pelos mesmos testes de qualidade que os produzidos internamente.

Rui Alves disse...

Sim. O sol dá-nos luz à borla e não importa nada. Arrasa a indústria das velas terrestre, mas acho que vale a pena.

Está a comparar o incomparável. O Sol oferece sem nada cobrar em troca, nem anda atrás de acordos comerciais vantajosos para o lado dele.

Carlos Guimarães Pinto disse...

Rui Alves, se a China nos vender velas baratas sem pedir (importar) nada em troca, por que haveremos de nos preocupar?

Ricciardi disse...

«Ninguém vem cá apanhar figos, vêm cá comprá-los.»
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A ideia era perceber-se que tem de existir acordos quando há interesses das duas partes em comercializar. Tu vendes-me aquilo que eu posso produzir melhor do que tu e tu vendes-me nas mesmas condições.
Não pode ser isento de barreiras um negócio onde um quer vender-me mas proibe-me de fazê-lo.
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«Só se os níveis de exigência forem superiores aos impostos aos produtores locais.»
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De acordo. Eu apenas defendo que se compita sobre bases semelhantes de onde vence quem tem mérito empresarial.
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Na actualidade, alguns asiáticos competem com os nossos empresários de velas (e chips e ipads) porque os nossos estão sujeitos a normas várias que se desenvolveram o bem estar das pessoas(etars, férias, subsidio desemprego, horários maximos etc, em suma civilidade) ao passo que por lá se pode produzir sem esses custos.
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Rb

Ricciardi disse...

E custa-me muito que se possa importar um produto fabricado de uma forma que em portugal é ilegal.
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Por um lado prende-se o empresário que polui um rio, por outro lado permite-se que um poluidor chines possa vender no espaço nacional.
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Não faz sentido. Não tem a ver com ideologias ou economia. Tem a ver com bom senso.
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Rb

Rui Alves disse...

Rui Alves, se a China nos vender velas baratas sem pedir (importar) nada em troca, por que haveremos de nos preocupar?

Caro CGP

Lá está, usou o termo "vender". Então ao contrário do sol, que usou como comparação, a China pede-nos algo em troca: divisas.

...por que havemos de nos preocupar?

Pela razão que o Ricciardi acaba de mencionar, às quais eu acrescento outras, não necessariamente de cariz económico:

a) Mesmo que os chineses produzam caças superiores e mais baratos que os Mirage franceses, acha que alguma vez os franceses vão entregar o fornecimento de caças nas mãos dos chineses e deixar arruinar um fabricante nacional de material de guerra? Nenhum governo na plena posse das suas faculdades mentais cai nessa. Os ultra-liberais EUA compram muita quinquilharia aos chineses, mas quando a conversa chega a mísseis e tanques, alto e pára o baile...

b) Suponha um hipotético país que tem o dom de produzir a tecnologia X como ninguém mais, em qualidade e em preço, mas onde fica mais barato comprar comida e energia ao estrangeiro do que produzi-la entre portas. Que fazer? As teorias liberais ditam que esse país deve passar a importar livremente a energia e alimentação, deixando cair esses sectores nacionais pouco produtivos para concentrar o esforço económico na tecnologia X onde será mais rentável. Ora não tenho dúvidas de que em poucos anos tal país ficará rico, como também não tenho dúvidas de que ficará extremamente vulnerável a um bloqueio alimentar ou energético vindo de fora, ou a qualquer outra forma de boicote estratégico.

Não era por acaso que Salazar, cioso da soberania nacional, privilegiou sempre a autarcia sobre o lassez faire.

c) Mas voltando às velas, o problema é que depois de as baratuchas velas chineses destruirem as indústrias de velas ao redor do mundo, ficam sem concorrência e trepam para o preço que os chineses quiserem. E por favor não vale a pena contrapor com a lenga-lenga liberal segundo a qual num caso desses criam-se condições para entrar um concorrente mais barato. Isso é na teoria. No mundo real, quem detém mega-monopólios ou mega-oligpólios gigantescos compra tudo e todos, manipula, boicota daqui e dali, de forma a impedir a entrada de competidores.

Tenho para mim que uma das falhas mais crassas do liberalismo é encarar um país como um problema de optimização económica, como se tudo não passasse de um modelo matemático. Mas numa nação, para além de economia, há também questões de política, geo-estratégia, soberania, coesão social e muito mais. E aí o liberalismo não alcança.

muja disse...

CGP,

eu também tenho perguntas para si, se lhe apetecer responder-lhes:

- a espécie de redução ao absurdo que faz no seu postal indicia que o CGP encara a questão ideologicamente, ou pelo menos, também de uma perspectiva de política - não de Estado - mas de Weltanschauung, digamos. É assim?

- Porquê?

- Não encontra aí parecenças com os sistemas socialistas, ao submeter à ideologia o regime comercial?

zazie disse...

ehehe

Pergunta macaca

Ricciardi disse...

A nossa industria de brinquedos é um exemplo paradigmatico. Foi arrasada pela industria chinesa.
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Não porque eram melhores ou mais engenhosos, mas sim porque eram contrafacção manhosa e onde misturam substancias baratuxas altamente poluentes e toxicas.
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Os preços, com essa forma de produção, eram imbativeis e os retalhistas importadores passaram a poder comercializar a produção que indoors lhes é vedada, e bem.
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O mesmo não se passou, estranhamente, com a industria automovel. Aí os Alemãoes, Franceses e Italianos uniram-se para evitar importação de carros chineses e indianos alegadamente por insuficiente de segurança.
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Portugal não fez o mesmo. Deixou andar porque não cuida bem dos seus interesses. Os alemães preferem que nos calemos a troco de alguns fundos comunitários.
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Esta é que é a verdade.
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Ainda hoje há a noticia de que os chineses em Moçambique estão a arrasar florestas para madeira e produção de papel. A indonésia já faz isso há algum tempo. Arrasa ilhas inteiras para produzir pasta de papel a preços imbativeis. E não tinham por obrigação fazer reflorestação.
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Como é que se pode competir assim?
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Rb

muja disse...

Ó Rb, veja lá se não acaba a endeusar o Dr. Salazar...

Ricciardi disse...

Não creio que corra esse risco, muja.
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Contudo, há muito que defendo uma politica, digamos, mercantilista, para o país... na linha que salazar seguiu.
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Rb

muja disse...

Pronto, V. é que sabe.

Como estava aqui a vê-lo tão "na linha" do sr. Dr., e até estamos a concordar, era só para o caso de estar distraído e se deixar ir por aí acima...

Ricciardi disse...

Pois é. É para vc ver e testemunhar, caro Muja como, dependendo do assunto, posso muito bem estar ao lado das ideias do sr. Dr. como de repente, se o assunto mudar outras latitudes, posso estar contra as ideias dele.
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Não tem dias. Tem assuntos.
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E a coisa que mais estranho são as filas de abnegados a qualquer gajo que não seja nosso Senhor Jesus Cristo ou outro Homem assim dessa natureza.
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Rb

muja disse...

Sim, que "tenha" assuntos não duvido. Duvido é da coerência...