29 outubro 2014

no mato sem cachorro


Não me parece saudável, ou até possível, que coexistam na sociedade instituições de destaque com visões absolutamente antagónicas. Os cidadãos ficariam confusos, até desnorteados, e perderiam qualquer sentido da vida.
Contudo, é a isso que estamos a assistir em direto. Refiro-me às divergências fundamentais que emergiram nos últimos anos entre o Estado e a Igreja (em Portugal a Igreja Católica).
Pensem, por exemplo, na questão do aborto. Para o Estado é um direito da mulher, financiado pelos contribuintes. Para a Igreja é um crime. Outro exemplo, o casamento gay. Para o Estado é um direito dos cidadãos e o casamento gay é igual ao casamento tradicional. Para a Igreja é um pecado capital, o pecado da luxúria, que vai contra a vontade de Deus.
Estas visões são contraditórias porque partem de perspectivas diferentes. A Igreja está focada na vida eterna (o que eu chamo a sobrevivência da espécie) e o Estado está focado no aqui e agora, pelo menos desde que Keynes, um reputado gay, explicou que “no longo prazo estamos todos mortos”.
Ora esta visão cínica e falsa é incompatível com a visão da Igreja Católica. Cínica e falsa porquê?
Porque no longo prazo, se nos “portarmos bem”, andarão por cá os nossos filhos e os nossos netos, que somos nós reencarnados – são os nossos genes.
Que pensará o cidadão comum quando ouve o Presidente da República afirmar que o aborto é um direito (mesmo que diga a seguir que não concorda) e um bispo afirmar que é um crime?
Eu penso que ficará confuso e desconfiado do Estado e da Igreja, o que para a maior parte de nós será como estar perdido “no mato sem cachorro”.

11 comentários:

Anónimo disse...

Pois é. A Igreja perdeu batalhas demasiado importantes. Nomeadamente a questão do aborto. E perdeu porque deixou de conseguir influenciar os poderes e as pessoas. Ou não se empenhou devidamente. Nesta estória do aborto a Igreja devia ter feito um combate implacável. Fez algum, mas muito soft.
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Na questão do casamento gay a Igreja podia ter tido outro tipo de intervenção. E se calhar até teve influencia em Portugal na parte consagrada nas leis de não viabilizar a adopção de crianças. Se bem que a coisa está em risco.
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Não estou a ver que a Igreja pudesse fazer batalha contra a união ou casamento dos gays.
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Sabe porquê?
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Porque ser gay não é crime em lado algum, embora seja pecado para a Igreja. Ao passo que abortar é matar, um crime que não devia ter sido legalizado senão nas circunstancias que já estavam consagradas.
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Assim a Igreja continuará a desaprovar o casamento gay, e bem, e as leis dos estados tenderão para a liberdade de escolha.
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Desaprova o casamento, não pode lutar contra as leis porque ser gay não é crime algum, logo cabe à Igreja tentar transformar os homosexuais (pecadores, mas não criminosos). Como? acolhendo-os com temperança e compaixão.
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Rb

Anónimo disse...

A maior parte das pessoas pensa nesta matéria como a Igreja mesmo que de modo informal: não defendem ou promovem o aborto e não defendem ou promovem o comportamento homossexual.Está Igreja e a maioria do povo em desgraça e o Estado em graça ?

mm disse...

talvez deixar que seja o cidadao comum a decidir por ele próprio, sem que tenha de ser o Estado ou a Igreja a dizerem-lhe o que deve pensar

vai talvez o Joaquim contra-argumentar que o cidadao comum precisa do "cachorro" para se orientar no "mato"; nao precisa nada, precisa é que lhe deem um mapa e um canivete, que o ensinem a utiliza-los e que o instruam com os prinicpios básicos da sobrevivencia. Porque, como é óbvio, o "cachorro" nao vai estar sempre lá.

Entao nao era assim a história do nao lhe des um peixe....

O Estado e a Igreja devem ser tomados como referencias e nao como o absoluto. Por isso nao vejo qual é o problemas de existirem simultaneamente várias referencias; antes pelo contrário.

Anónimo disse...

Caro mm,

Presumo k v. é um jovem. Eu também já pensei assim.

Joaquim

mm disse...

pois presume mal

aliás, deixe-me que lhe diga que quando jovem era muito mais permeável às ideias de "cachorros" de todas as proveniencias

qualquer "cadelita" me convencia facilmente a tecer loas aos seus uivos

a idade tem-me ensinado a fazer ouvidos moucos a esses latidos e a fugir das matilhas

nao me compreenda mal; eu até gosto muito da bicharada. Fico contente por lhes fazer uma festinha aqui e a uma brincadeira acolá, mas a coisa pára aí. Quando eles querem saltar para o meu colo sem serem convidados, enxoto-os.

Anónimo disse...

Caro mm,

Parabéns. É um jovem de espírito.

Joaquim

Anónimo disse...

Joachim,

Qual será a posição de um libertário no que ao casamento gay diz respeito?
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Refiro-me à posição de opinião e não, digamos, a qualquer outro tipo de posição.
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Será o libertário coerente com a liberdade de escolha ou neste caso a liberdade é valor de somenos importancia?
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Pergunto-lhe isto porque, embora considere natural a homosexualidade (quem tem cães percebe isso facilmente - até às almofadas e às pernas dos donos eles se fazem ao piso), considero-a ao mesmo tempo fora da normalidade societaria (a tal coisa da eternidade que garantiu até hoje a sobrevivencia da espécie).
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E como fui e sou contra que se institucionalizasse a união gay na figura tradicional do casamento e como sou concomitantemente aliberal e mui macho vá, vejo-me forçado a dizer que os liberais têm de ser a favor do casamento gay.
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Sendo assim, qual é a sua opinião enquanto libertário?
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Sem prejuizo de saber qual a sua opinião enquanto Joaquim.
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Rb

Anónimo disse...

Olá Rb,

Penso que o Estado não deve estar enfiado na cama de ninguém.
Perante o Estado só há indivíduos, com os seus direitos cívicos.
O casamento faz muito pouco sentido, embora admita contratos entre pessoas.
Mas uma vez que o Estado se enfiou na cama dos cidadãos, não podemos comparar o incomparável. A união entre um H e uma M não é igual à união HH ou MM. Estamos a falar de qualidades diferentes.
O casamento gay é uma palhaçada de casamento, que é como a grande maioria das pessoas o entende.
Portanto, contra o casamento em geral e contra palhaçadas em particular.
:-)

Euro2cent disse...

> Perante o Estado só há indivíduos,

Olha, o Robespierre.

zézinho disse...

Dei comigo a pensar: se a Igreja acabar por engolir o casamento dos rabetas, como é que vai ficar aquele mandamento "não cobiçar a mulher do próximo"?

Pedro Sá disse...

Esqueça lá isso. Em todo o lado há instituições de destaque com visões antagónicas.

E essa lógica leva a um Estado parado e inactivo. Pantanoso.