23 outubro 2014

Decide só

O Sínodo sobre a Família, cuja primeira fase terminou no Domingo no Vaticano - e que se prolongará até Outubro de 2015 - ilustra o regime de governação da tradição católica, e as diferenças que ele mantém com o regime de governação da tradição protestante (que é aquele que vigora em Portugal actualmente).

A Igreja pretende actualizar a sua doutrina sobre a Família. Há cerca de um ano, o Papa enviou a todas as dioceses um questionário sobre as questões da família, para que fosse distribuído em cada paróquia.

Na semana passada reuniram-se no Vaticano 188 bispos vindos de todas as partes do mundo para discutir cerca de 60 tópicos sobre a Família. No final da sessão entenderam-se e aprovaram todos, excepto dois - o acesso dos divorciados e dos recasados à comunhão e o reconhecimento dos casais homossexuais.

O documento saído desta reunião será ainda refinado antes de ser entregue ao Papa.

No fim, será o Papa a decidir quais as actualizações e inovações - se algumas - a introduzir na doutrina católica da Família.

Este processo de decisão tem, entre outros,  os seguintes elementos.

1) Participação popular.
As opiniões sobre a Família que os bispos levaram para o Vaticano foram formadas no contacto directo do bispo com a população da sua diocese e, portanto, reflectem, em boa medida, a opinião popular sobre tais questões. O inquérito sobre a família distribuído há um ano não tinha outro fim, senão esse mesmo - equipar os bispos com a opinião popular acerca dos temas da Família.

Este processo de decisão tem participação popular. Mas, no fim,  não é o povo que decide. Porquê? Porque a Igreja não é do povo.

2) Democracia.
Os bispos reunidos no Vaticano votaram democraticamente sobre as diferentes questões. Ao contrário do que muitos dizem, de que não existe democracia na Igreja Católica, a democracia está lá. Mas está só na justa medida. A Igreja não chamou jovens de 18 anos para votar sobre estas questões. Chamou apenas homens que pelo seu percurso de vida são os mais competentes para se pronunciarem sobre estas questões.

Os bispos são, por assim dizer, os "deputados" do povo neste processo. Mas convém salientar que estes "deputados" não são eleitos pelo povo, mas designados pela hierarquia, embora possuam em geral assentimento popular.

Ainda assim, a decisão democrática dos bispos acerca de cada um dos pontos em debate não é vinculativa. Por outras palavras,  não é a democracia  dos bispos que decide. Porquê? Porque a Igreja não é dos bispos.

3) Autoridade
Quem decide é o Papa. Decide só. A sua autoridade, nesta como em outras matérias, é plena, suprema, absoluta e que ele pode sempre livremente exercer. Ele pode aceitar as decisões dos bispos acerca de cada um dos pontos em debate, pode rejeitá-las a todas, pode simplesmente não decidir nada, pode até decidir que se ponham em vigor aqueles dois pontos que os bispos reprovaram e que deixem de vigorar todos aqueles que os bispos aprovaram. Ele pode tudo.

4) Responsabilidade
E com que critério decide o Papa - o do seu livre arbítrio? Não, ele até pode achar que os divorciados deveriam poder comungar e adoptar essa medida. Mas o critério não pode ser esse (como ele expressa muito bem aqui). Porquê? Porque a Igreja não é do Papa.

Então, afinal, de quem é a Igreja?

É de Cristo (v.g., "Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja").

Portanto, o critério utilizado pelo Papa é o critério de Cristo, que é o critério de Deus. Ao decidir sobre cada um dos pontos em questão, o Papa procura escrutinar qual seria a vontade de Cristo a esse propósito e decide em conformidade.

Deus é a Verdade e o Bem. O Papa decide portanto segundo critérios da Verdade e do Bem para  toda a comunidade católica - isto, é segundo critérios do Bem-Comum.

É uma decisão que envolve algum drama. Nós podemos imaginar o Papa sozinho, antes de tomar a  decisão, confrontado perante Deus e a procurar inferir a vontade de Deus. Se a decisão sair mal, só ele é responsável, porque foi ele a tomar a  decisão, e responde perante Deus.

Eu não consigo imaginar um processo de decisão mais perfeito do que este. 

Comparemos este processo de decisão católico com aquele que vigora no nosso país e que é copiado da tradição protestante. Suponhamos que o primeiro-ministro quer reformar o Estado e considera várias medidas para o fazer. Em quem é que ele está a pensar, antes de tomar as medidas - em Deus, na Verdade e no Bem-Comum?

Não. Está a pensar nas suas bases partidárias (será que eles aprovam isto?), nos parceiros de coligação (será que eles alinham nisto?), no Parlamento (será que eles votam isto?) no Presidente da República (será que ele promulga isto?), no Tribunal Constitucional (será que eles declaram isto inconstitucional?), enfim, está a pensar, numa clique de políticos partidários como ele, que inclui jovens até de 18 anos.

Será que daqui pode resultar o Bem-Comum?

Não pode, não.

11 comentários:

zazie disse...

É o critério do "lança confusão".

Nem sei se é como diz que todos, excepto 2, aprovaram os sacramentos a larilas e divorciados.

Sei é que quem teve a triste ideia foi o Papa e foi ele quem deu esperanças e lançou a confusão com uma pergunta monga que veio para os jornais há um ano.

No fim, como bom tolerante, acabou a fazer purga de quem disse o que havia a dizer em nome da tradição da Igreja e deu o dito por não dito, descartando-se nos bispos, como se a responsabilidade de tudo- de toda a cvonfusão- não fosse dele próprio.

zazie disse...

Isto não é um provesso de nada, e muito menos perfeito e não meta Cristo ao barulho porque esta merda veio de um argentino bandeirinha que nem sabe o que quer.

O que ele fez foi má política para aparecer nos jornais e vender a imagem de ser "um renovador".

Tão "renovador" e tão aberto, tadinho que até teve os bispos contra ele e foi obrigado a afastar os mais incómodos.

zazie disse...

Eu ainda dei o benefício da dúvida durante uns tempos.
mas com esta acabou-se.

Este Papa não presta e era bom que saltasse fora.

Por menos já a Igreja teve Cisma.

Anónimo disse...

Bom post.
.
Zazie, este Papa é um santo. Não o julgues pelas capacidades intelectuais. Ele é um líder. Nato. .
Rb

Rui Alves disse...

Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja

Aconselho prudência antes de basear conclusões em palavras soltas arrancadas à versão portuguesa da Bíblia. Tem a garantia que o termo traduz com rigor a expressão original? Tanto mais que a versão portuguesa resulta da tradução de uma outra tradução em latim, o que introduz ainda mais atrito no processo.

Rui Alves disse...

Espero que este Papa não tente imitar o milagre da multiplicação. Começar o papado com uma Igreja e terminá-lo com várias...

zazie disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
zazie disse...

Olha, é o da cubata. Tinah de ser.

Quem é que falou em capacidades intelectuais?

Deixaste de saber ler?

Anónimo disse...

pedro arroja,

não há mulheres no sinodo dos bispos. Só homens. O papa também é um homem. Parece que kant infiltrou-se na Igreja...
(será que só se podemexprinir na diocese e nas paróquias...)

essa tua ideia de decidir sózinho perante Deus e deter autoridade suprema...é perigosa. a inquisiçao tb se fez em nome de Cristo

Euro2cent disse...

> Será que daqui pode resultar o Bem-Comum?
> Não pode, não.

Mas bem parece que pode.

As iludencias aparudem.

E foi assim que chegamos aonde estamos.

Pedro Sá disse...

Agradeço-lhe este texto PA. Já percebi onde é que os comunistas foram buscar o centralismo democrático. Porque isto é centralismo democrático do mais puro.