06 setembro 2014

Tudo

Reconhecendo que Portugal não é um país de cultura liberal, o Joaquim tem vindo a afirmar que os portugueses são socialistas.

Também não são, embora, naturalmente, existam socialistas em Portugal (existe de tudo). Mas a cultura portuguesa não é socialista. É uma cultura universal (católica), e uma cultura universal tem de tudo - socialismo, liberalismo, cooperativismo, fascismo, mutualismo, assistencialismo, cooperativismo, anarquismo... Tudo.

É certo que nos últimos trinta anos o socialismo teve um ascendente no país, sobretudo depois da adesão à UE, por virtude do facto de o dinheiro e a liderança política e institucional vir sobretudo da Alemanha, que é a pátria do socialismo. É certo também que todos os maiores partidos, incluindo o CDS/PP são da família socialista.

Mas Portugal não é um país socialista. Está socialista. Mas tudo isto vai passar, porque o socialismo arruinou o país, tal como já o tinha feito durante a I República. Na realidade, entre liberalismo e socialismo, a cultura universal (católica) dos portugueses aproxima-se muito mais do liberalismo do que do socialismo. Ou, visto de outro ângulo, o calvinismo é mais próximo do catolicismo do que o luteranismo. Ou, visto ainda por outro ângulo, os países anglo-saxónicos sãoo mais próximos de nós do que os países nórdicos.

O liberalismo é a primeira ideologia de esquerda a ganhar alguma universalidade em meados do século XVIII, e durante muito tempo permaneceu a única, uma vez que o socialismo só nasceria cerca de um século depois (o Manifesto do Partido Comunista data de 1848).

Nascido na Grã-Bretanha, e largamente cultivado por filósofos britânicos, o liberalismo tem a sua maior expressão prática nas revoluções americana e francesa dos finais do século XVIII. Aquilo que hoje se chama Esquerda era na altura o Liberalismo, e só o Liberalismo, já que o socialismo não existia.

As ideias chegam a Portugal normalmente com 30 anos de atraso, e o Liberalismo chegou a Portugal com a Revolução Liberal de 1820. Provocou uma Guerra Civil e o caos económico e institucional. O percurso intelectual de Alexandre Herculano descreve bem o percurso do liberalismo em Portugal. De grande entusiasta e combatente activo pela causa do Liberalismo, este grande intelectual acaba por se render à evidência de que Portugal não seria nunca um país liberal, e retira-se desiludido para Vale de Lobos.

Surge então a Geração de 70. Existe uma carta dessa altura de Ramalho Ortigão e  Oliveira Martins dirigida a Herculano convidando-o a regressar a Lisboa porque estava a chegar da Europa um novo movimento de ideias que iria por certo mudar o país, já que o liberalismo não o tinha conseguido fazer. Herculano permaneceu em Vale de Lobos, impassível ao convite ("Burro velho não aprende línguas...", respondeu ele).

A carta é enternecedora pela ingenuidade dos autores e porque revela a natureza imitadora da cultura intelectual portuguesa. Que novidade, afinal,  era essa que Ortigão e Martins  tinham para anunciar a Herculano, mas que não comoveu o velho liberal? Era o socialismo, que tinha nascido na Alemanha trinta anos antes e que agora chegava a Portugal.

A partir daí o socialismo ganha força em Portugal, é ainda mais radicalmente anti-católico e anti-português do que o liberalismo, ultrapassa o liberalismo pela esquerda, torna-se uma esquerda ainda mais esquerda do que o liberalismo, e o que vem a seguir não vai surpreender. Cerca de 1890, o país está mergulhado numa profunda crise financeira - na realidade, está falido, com o socialista Oliveira Martins a Ministro das Finanças.

A culpa era da Monarquia, disse-se então. Por isso,  foram ainda os socialistas que forçaram a queda da Monarquia. A partir de 1910, com a República, o caminho ficou à sua maneira para construir esse Portugal novo e mais igualitário com que  sonhavam. A brincadeira terminou com a Revolução de 28 de Maio de 1926. O país estava prostrado, económica, financeira, politica, institucionalmente.

É caso para dizer, com ideólogos como estes, cuja única originalidade consistia em imitar mal (abro excepção ao Alexandre Herculano) ideias que vinham de lá de fora, ainda por cima de países inimigos da nossa cultura universal (católica) - primeiro o liberalismo e, depois, pior ainda, o socialismo - o que é que se havia de esperar?

Portanto, Joaquim, não desespere. Portugal não é socialista. Portugal tem estado temporariamente socialista. Mas isto vai ruir em breve. Já está a ruir.

Mas, então, se os portugueses não são liberais (embora também existam liberais em Portugal) nem socialistas (embora  também existam socialistas em Portugal), o que é que os portugueses são?

Tudo.
 
É este o significado de uma cultura universal. Os portugueses são tudo e cada coisa, dependendo do lugar, do tempo e das circunstâncias.


19 comentários:

zazie disse...

Acha que os portugueses de agora são os mesmos portugueses de há 40 e tal anos atrás?

zazie disse...

Há mudanças que nem eu entendo.

Para pior e outras inesperadas.

Entre as inesperadas saliento uma que tenho andado a "morder".

O povão abrutalhado, o mesmo que afogava gatos e abatia cães a tiro de caçadeira, anda agora de animal doméstico a tiracolo.

Uma mudança que nem uma década tem.

Se é moda, se é efeitos de falta de reprodução, não sei. Tanto abortam como se esganam a defender bicharada.

E gastam pipas com aquilo porque é uma novidade sem antecedentes.

Nem sabem bem o que são os bichos. Levam-nos a workshops para desenvolverem a inteligência.

zazie disse...

Dos bichos, claro. A deles não tem arranjo possível.

":O)))))

zazie disse...

Criam clínicas com nomes de santos para os tratarem- e pagas pelas câmaras, põe nome de cão e gato aos filhos e chamam "a minha menina; a Maria" à gata.

Euro2cent disse...

(Ao longo dos anos, aprendi a apreciar as rajadas de comentários da Zazie, que têm algo do enorme encanto de uma espingarda metralhadora G3 em modo automático, e são quase tão perfurantes como boas munições de calibre 7,62 ;-)

Se o bom sociólogo Barreto estivesse aqui, apontaria que entre 1960 e 1990 os portugueses se urbanizaram a uma velocidade brutal, do género termos mais de 50% da população a viver de agricultura a menos de 10% (ou 60% a 5%, temos aqui economistas para saber isso ;-). De andarem de tamancos a buscar água às fontes com cântaros à cabeça, as criadas de servir rurais de 1960 tiveram filhas que pelo menos fizeram o liceu quase todo e foram trabalhar para um shopping suburbano.

É claro que os amores à natureza e aos animaizinhos queridos são coisa urbana. Quem vive e trabalha no campo gosta é de estar dentro de casa, e serve-se - e mata - a bicharada sem compunções nem afectos excessivos.

Voltando ao post do PA, que é bem observado mas não ajuda particularmente - tipo uma previsão metereológica de "tempo variável" - a questão da Zazie é muito relevante. Quanto tempo pode um substrato cultural resistir às mudanças estruturais? O camarada Marx famosamente pregava que a infraestrura determina a superestrutura, se bem me lembro desse catecismo. Mrrnheu, mrrnheu, mudanças quantitavas implicam mudanças qualitativas (acho que essa era hegeliana), pardalinhos ao ninho.

E aqui temos o problema. E por cima disso, temos outro factor. O novo homem soviético óbviamente não funcionou como anunciado, mas doses maciças e obsessivamente repetidas de propaganda cultural - veneno servido com açucar, entregue por terra, mar e ar - produzida pelas melhores fábricas de sonhos que o dinheiro pode pagar ... será que dá?

(Não percam os próximos capítulos. Castração química!)


Anónimo disse...

Voltando ao tema do PA: por isso é que Marcelo Caetano afirmava que "não se governa por rótulos.."

Anónimo disse...

"É uma cultura universal (católica), e uma cultura universal tem de tudo - socialismo, liberalismo, cooperativismo, fascismo, mutualismo, assistencialismo, cooperativismo, anarquismo... Tudo."

Uma cultura que é "tudo", não é nada, afinal.

marina disse...

pois mudou :) antigamente iam as analfabetas da aldeia servir nas casas das senhoras estrangeiras , agora vão as citadinas licenciadas servir no estranja . toda uma mudança , de facto :)

muja disse...

Pois, a Zazie não entende porque não quer entender.

Se quisesse, ligava a televisão. É quanto basta.

Não há mistério nenhum.

Diz-se que a televisão mostra o que o "povo" quer.
Parece bonito. Mas para se perceber o que significa e quão, na realidade, está afastado da realidade, reformule-se assim: "O povo controla a televisão".

Se alguém disser isto a sério, as pessoas pensarão justamente se é maluco ou comediante.
Mas é o mesmo que dizer que o povo quer o que a televisão mostra.

No que respeita à "democracia" é igual.

O povo controla a democracia tanto como controla a televisão, ou seja, não controla. Não controla rigorosamente nada.

Come o que lhe dão.

Existe um termo bárbaro que ilustra a questão: garbage in, garbage out.

Se lhe dão merda, é certo que não sairá senão merda.

muja disse...

E a questão dos inimigos é muito pertinente.

Essas culturas são inimigas da nossa diz-se. Concordo.

"As coisas chegam a Portugal com trinta anos de atraso."

Depende. O anti-colonialismo, por exemplo, não demorou trinta a chegar. Nem sequer quinze.

Porquê?

Se fosse efeito de mero "atraso", tudo chegaria mais ou menos com o mesmo tempo de atraso, geralmente falando. Mas há coisas que chegam muito rapidamente, outras nunca chegam sequer.

E falar de culturas inimigas é o mesmo que a história da televisão: é dizer que o povo tem o que quer, em vez de dizer que o povo controla.

Se há culturas inimigas, há inimigos. Porque não existem culturas sem homens.

Se há culturas inimigas da cultura católica, há inimigos dos católicos.
Se há culturas inimigas da cultura portuguesa, há inimigos dos portugueses.





zazie disse...

Não tenho televisão

":OP

zazie disse...

Mas a questão não é essa, nem é a que a Marina colocou.

O Eur2cent percebeu- podem existir mudanças que se tornam estruturais.

O Dragão também chamava-lhe a Nacinha.

zazie disse...

E sim, a televisão matou o povo.

Já não temos povo. Encontrar a alma de uma coisa que se foi, deve ser mais difícil que workshop para dono de canídeo de estimação pensar.

marina disse...

isso deve ser geral no ocidente "moderno" , afinal a "modernidade" construiu-se contra todo o passado ,contra a alma ancestral e as raízes também :)

apetecia-me assinar Conchita ,o fenómemo europeu , para ilustrar , je je

zazie disse...

Conchita? c'horror

eeheheh

zazie disse...

Connosco foram estes 40 anos de lavagem cerebral

Pedro Sá disse...

A Primeira República era tão socialista como o Fontes Pereira de Melo. Vá ler uns manuais de Direito Constitucional e fica a saber que da monarquia constitucional para a I República basicamente só mudou a forma de governo e um aumento do anti-clericalismo já existente. Não muito mais.

Cândido Jorge disse...

Pra mim o Pedro Arroja é o único que escreve alguma coisa de jeito, nesta loja... Já o J.Couto gosto do que escreve sobre gajas

Unknown disse...

Ó Pedro Sá. Vossemecê já arranjava um blogue para expôr a sua qualidade de pensador...

O Euro2cent é outro na mesma situação...

O Joaquim é que é um invejoso e tem receio de ser mais um a metê-lo no bolso senão já lhe devia ter feito o convite...