20 outubro 2013

Mohammed Arroja

A integração da mulher no mercado de trabalho trouxe benefícios económicos que suportaram o aumento dos padrões de vida na Europa e nos EUA pós guerra. Muitos estudos demonstram que a felicidade do casal diminui após ter filhos, e muitos casais optam por não os ter ou ter apenas um. A possibilidade de divórcio a pedido liberta muitas pessoas de casamentos infelizes, que de outra forma não conseguiriam. Pessoas com tendência homossexuais são mais felizes se não as reprimirem e a abertura da sociedade à realidade da homossexualidade fez com que muitos deixassem de se envolver em casamentos de fachada heterossexuais. A concepção não planeada pode trazer desconforto e infelicidade a uma família. Esse desconforto é algo que o aborto livre pode evitar. O sexo livre e descomprometido é algo que satisfaz muitos (principalmente homens, mas também mulheres), garantindo a satisfação sexual sem as obrigações do casamento. De acordo com alguns enquadramentos filosóficos (que não estou preparado, nem interessa, discutir aqui), este suposto incremento de felicidade, por si só, justifica a superioridade moral destas tendências.
A questão que fica perante isto é: partindo do pressuposto que todas estas realidades recentes tornam uma sociedade mais feliz (ou menos infeliz) por que não aconteceram antes? Porque é que todos os enquadramentos morais milenares (as religiões) rejeitam de uma forma ou de outra as formas de libertação individual expostas no parágrafo anterior? Porque é que em locais onde estas alterações culturais aconteceram primeiro, como os EUA ou a França, existe já um movimento no sentido oposto?
Para entendermos porquê, devemos olhar para o que todas estas tendências culturais têm em comum: elas diminuem o potencial reprodutivo da sociedade em que se tornam predominantes. A inclusão plena e em igualdade da mulher no mercado de trabalho, a facilitação do divórcio, a aceitação plena da homossexualidade, a liberalização do aborto, a proliferação do sexo livre e descomprometido, todas estas tendências tendem, umas mais outras menos, marginalmente a baixar a taxa de fecundidade das sociedades em que predominem. Todas estas tendências podem-se justificar sobre vários enquadramentos morais e filosóficos, mas todas têm um ponto fraco: a sua inferioridade reprodutiva.
Pensemos no caso dos filhos. Muitos estudos demonstram que ter filhos diminui a felicidade dos casais, especialmente nos primeiros anos. Segundo estes estudos, a felicidade parental não passa de uma racionalização posterior da decisão de ter filhos, sendo a sua exteriorização resultante de uma imposição cultural (qual é a mãe que diria em público que preferia nunca ter tido filhos, mesmo que pensasse dessa forma?). Agora, suponhamos que um qualquer grupo de pessoas chegava a essa conclusão e, consequentemente, decidia não ter filhos. É possível (mais uma vez, não discuto isso) que esse grupo de pessoas acabase por ter uma vida muito mais feliz que os restantes grupos da sociedade, mas a cultura não sobreviveria ao passar das gerações. Mesmo que esse grupo fosse bastante grande, até representasse a maioria da sociedade, esse predomínio não sobreviveria. Seria a cultura alternativa, daqueles que pensassem, mesmo que erradamente, que ter filhos era o elixir da felicidade e vida eterna, que acabaria por predominar. Agora imaginemos que por força da divulgação, a cultura sobreviveria e conseguiria convencer os filhos daqueles que rejeitaram os seus princípios na anterior geração. A cultura venceria e predominaria na sociedade, mas neste caso seria a sociedade que acabaria por desaparecer. Uma cultura que não se reproduza, independentemente da sua superioridade moral, tenderá a desaparecer dentro de uma sociedade. Se a cultura tiver força suficiente para se tornar consensual na sociedade, será a sociedade que desaparecerá (independentemente dos méritos desses princípios culturais).
As culturas não predominam no longo prazo devido à sua superioridade moral ou devido ao seu efeito na felicidade ou liberdade dos indivíduos, predominam pela demografia. As únicas vitórias culturais de longo prazo são demográficas. Serão as culturas que mais privilegiem a reprodução que dominarão daqui a 100 anos. A sociedade ocidental é crescentemente dominada por princípios morais de libertação individual e felicidade imediata, mas esses mesmos principios estão já a torná-la envelhecida e minoritária no conjunto da população mundial. Muitos dos países mais importantes da sociedade ocidental (França, EUA, Alemanha, etc) já estão, pela força da demografia, a entregar a predominância cultural a culturas alternativas que beneficiaram mais da reprodução na geração anterior (os católicos latinos nos EUA e os muçulmanos em França). A revolução cultural no sentido da libertação individual em países como a França e os EUA irá, paradoxalmente, tornar esses países mais conservadores no longo prazo, dominados por uma cultura alternativa à que dominou esses países nos últimos 2 séculos. Dito de outra forma, podemos ter Pedro Arroja garantido por mais 100 anos, mas, seguindo a tendência actual, nos 100 anos seguintes teremos que nos contentar com o Mohammed Arroja.

15 comentários:

zazie disse...

O aborto é um método anti-concepcional?

Nem li mais.

zazie disse...

Á parte isso, o resto tem piada e o Mohammed Arroja é mesmo o futuro possível da Europa.

Ricciardi disse...

Bem, antigamente o pessoal tinha ninhadas de filhos por uma razao muito simples e que se resume nisto: cada tiro, cada melro.
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Nos dias actuais as municoes ficam-se pelo colete de balas.
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Por outro lado, a coisa tinha uma certa lógica. Mais filhos significava mais potencial de riqueza e trabalho da familia, ao passo que nos dias de hoje mais filhos significa menos riqueza e mais problemas já q é impossivel criar ninhadas por causa do dinheiro.
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Rb

Ricciardi disse...

A questao é de ordem muito mais pragmatica do q filosofica. A economia do antigamente era baseada em actividade agricola onde a forca de trabalho era essencial. Mais filhos, mais ajudantes. E isso garantia q se pudesse lavrar as terras à sacholada, criar bicheza etc. A visao era utilitária. Além disso, o facto de nao haver coletes anti-bala propiciava a coisa.
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A economia de hoje é diferente. Um fillho nao vai ajudar o pai a ser programador informatico ou professor. Nem as mães tem disponibilidade para cuidar deles como suíra porque tambem elas tem de ser professoras ou outra coisa qualquer para ajudar a sustentar a familia.
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Esta é a razao pela qual só os paises mais pobres é q tem mais filhos.
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A solucao nao é facil de implementar. Mas passará sempre por redefinir o papel de mãe na familia e na economia. Sem sossego nao é possivel ter mais filhos. E os casais nao tem sossego.
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Rb

Anónimo disse...

CGP,

Está bem imaginado.
Mas não se preocupe que o Pedro Arroja vai mudar a cultura.
Se não o fez já, vai começar no post seguinte.
De maneira que, nos 100 anos seguintes, teremos outro Pedro Arroja.
tenho a certeza.
Abraço.
PA

Anónimo disse...

"...o Pedro Arroja vai mudar a cultura"

Este ou o seguinte, ou os dois em continuidade - bem entendido.
PA

Cfe disse...

Como é que se mede a felicidade ?

marina disse...

enquanto as pessoas sentirem que parem contribuintes em vez de filhos a coisa não vai mudar. o admirável mundoo novo ocidental transformou-se numa prisão e peras , onde um pai não pode decidir sequer que educação dar ao filho , o estado é que manda , desde a nascença ( um bébé com nif ! ) até à morte . pois então o estado que tenha filhos ou faça robots , pq em cativeiro os humanos , tal como os outros bichos , tendem a não se reproduzir :)

lusitânea disse...

A maltosa anda a poupar na filharada para ter melhor estilo de vida, poder ir tomar no cu ou outras coisas semelhantes mas depois vem o pessoal desses direitos e arrasta na mesma e de tal maneira para pagarem os filhos dos outros que nos vieram enriquecer e pagar a pensão...
Por isso é que se anda a construir o homem novo e mulato.Basta ir ver Detroit e o Haiti para ver como por lá a fecundidade é grande.E cá já temos gajos que tomam conta de 3 mulheres uma das quais com 10 filhos...
Rezem para que depois eles não se tornem a indispor senão acabam outra vez nos montes catábricos...

João Antunes disse...

Admitindo a conclusão deste post então só se pode concluir que a cultura é um entrave à felicidade pessoal, pois valores culturais que limitam a felicidade são disfuncionais. O que das duas uma: Ou justificaria a o fim de todo o tipo de cultura enquanto critério de diferenciação de um povo ou justificaria a aceitação do multi-culturalismo e das influências de ambos. Que é o que prevejo.

Podia-se dizer em tom darwinista que a cultura com maior valor reprodutivo sobrepõe-se à outra (e diga-se de passagem, se essa cultura não tolera os valores culturais que causam a felicidade representaria então uma regressão no avanço do pensamento), contribuindo para a emancipação de uma nova cultura dominante. E isso faria sentido se a correlação entre nº pessoas/cultura dominante fosse exclusiva. Mas o facto é que outras variáveis têm grande impacto sobre os valores culturais, como a economia.

Diz a antropologia que em contextos de baixos recursos a agressividade, a rectidão e a competição feroz predominam. Daí o re-emergir de movimentos conservadores, pelos menos os com tendências fascistas, que preveligiam alguns desses valores-base. Por outro lado a crescente influência da internet (facebook) e do marketeeing tendem a criar a necessidade de apresentar uma "identidade", que quando ameaçada pela proliferação de valores opostos tende a "sair da toca em fúria e tentar demarcar o seu território". Com efeito, se os valores liberais e com tendências hedonistas se fazem sentir na sociedade actual é natural que, psicologicamente, quem já era conservador venha agora concentrar esforços em manter esses valores, e daí se pode explicar também o ressurgimento de tal "corrente filosófica" na sociedade actual

José Lopes da Silva disse...

Os factores indicados são importantes, mas é preciso também fazer algumas contas: um casal em que ele ganhe 700€ por mês, e ela esteja sem emprego (disponível para tomar conta das crianças), quantos filhos se atreverão a ter?

Carlos Guimarães Pinto disse...

Obrigado, Professor. Ficarei atento.

Luís Lavoura disse...

O CGP parte da suposição de que os filhos têm a mesma cultura dos pais, que os filhos de pessoas religiosas também serão religiosos.
Mas o CGP sabe que há muitos contra-exemplos para isso, a começar por ele próprio.
Constantemente, pessoas que nasceram de pais religiosos e que foram educadas numa certa cultura religiosa, abandonam essa cultura.
Foi isso que ao longo dos últimos séculos ocorreu na Europa. As pessoas abandonaram uma cultura pró-reprodutiva e abraçaram uma cultura alternativa.
Nada garante que esse movimento não prosseguirá.
Até porque a população do mundo em geral, e da Europa em particular, é excessiva. O mundo não aguenta tantos homens com uma cultura pró-reprodutiva.

Pedro Sá disse...

Hmmm p.ex. os liberalismos e marxismos cresceram nos estratos que mais privilegiavam a reprodução? Não me parece.

Pedro Sá disse...
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