27 janeiro 2010

Onde reduzir?


Hoje, estive na RTP-N a comentar o Orçamento do Estado para 2010 e aproveitei a ocasião para explorar a tese que aqui apresentei nas últimas semanas: as despesas com pessoal do Estado têm de ser reduzidas - ao jeito da Irlanda - se queremos maior equidade entre o sector privado e a função pública e, sobretudo, se queremos ser sérios com os objectivos orçamentais em relação aos quais nos propusemos em Bruxelas. Como não podia deixar de ser, levei comigo uma cópia daquele estudo do Banco de Portugal - que tantas vezes tenho citado - e fui directo ao assunto. Em traços gerais, afirmei que este OE não resolve coisa nenhuma e que os salários da função pública, em média, deveriam baixar em (até) 17%!

Entretanto, ontem, escrevi um post favorável às reinvindicações dos enfermeiros, causa que, em face das circunstâncias actuais e, também, da minha tese anterior, eu considero justa. Deste modo, alguns perguntaram-me: mas, então, em que é que ficamos? É, pois, o momento para entrar num novo patamar de análise das divergências salariais, injustificáveis, da Função Pública face ao sector privado. Posso, desde já, adiantar as principais conclusões: as divergências mais injustas - entenda-se como a diferença salarial entre pessoas com as mesmas qualificações em empregos equiparáveis - ocorrem entre os não licenciados e entre os licenciados nos sectores de actividade onde o Estado é o maior empregador. Do estudo resulta ainda uma terceira conclusão: que entre os licenciados com menos de dez anos de experiência profissional, para as mesmas qualificações em empregos semelhantes, o Estado, sem justificação, paga mais 19% que o privado.

Quanto à divergência que ocorre no trabalho menos qualificado, definido como todos aqueles sem formação superior, o estudo não fornece dados directamente comparáveis, mas, a minha conclusão anterior, resulta da inferência que se consegue estabelecer a partir da conclusão inicial do Banco de Portugal e dos dados referentes aos funcionários qualificados, que de seguida explorarei. É, pois, nestes benefícios arbitrários, ou penalizações (também as há), entre os licenciados empregados no Estado que nos devemos focar. O estudo do Banco de Portugal separa o trabalho qualificado em três grandes grupos: os funcionários dos sectores onde quase só o Estado é que recruta (médicos, enfermeiros, universitários e professores do ensino básico e secundário), os funcionários de áreas profissionais onde o Estado e o sector privado concorrem em igualdade (gestores, economistas, engenheiros, informáticos, juristas e profissões ligadas às áreas sociais) e, por fim, um terceiro grupo de colaboradores composto pelos administrativos de linhas intermédias.

Assim, nos três universos citados anteriormente, as maiores injustiças salariais praticam-se no primeiro, nos sectores onde os empregos no Estado representam 91% da empregabilidade total. Em média, face ao privado, o Estado paga, sem qualquer razão aparente, cerca de 27,5% mais. Em segundo lugar na lista, surgem os profissionais ligados às áreas sociais - no estudo, são designados como "social sciences specialists" - que, eu presumo, devem ser os psicológos e actividades relacionadas. Contudo, tomado como um todo, neste segundo universo de análise - onde Estado e sector privado representam 21% e 79%, respectivamente, da empregabilidade total - existe, em média, uma penalização (injusta) de 6% em trabalhar para o Estado. E no caso dos informáticos e dos economistas essas penalizações atingem 14% e 19%, respectivamente. Por fim, o terceiro universo, o dos administrativos de linhas intermédias, também não compensa trabalhar no Estado; recebem menos 9% que trabalhando no privado!

Em suma, o envolvimento excessivo do Estado em certos sectores de actividade, como diz a teoria, distorce os preços associados ao factor humano, com prejuízo para o Estado e, também, com prejuízo para todos aqueles que não beneficiam daquele privilégio. Perguntar-se-á: mas quer privatizar a Saúde e o Ensino? Não. Bastaria eliminar as injustiças, ajustando os salários da função pública à realidade nacional. E, assim, se caminharia para um verdadeiro mercado de oferta e de procura, sem estrangular o país fiscalmente, e, melhor ainda, incentivando o aparecimento de alternativas no sector privado, em particular nas áreas onde o Estado exerce um poder de quase monopólio, sem, com isso, eliminar a opção pública. O país, como um todo, beneficiaria.

Ps: Caros enfermeiros, apesar destes novos cálculos, continuo favorável à vossa causa, pois, se o prémio injustificado dos 27,5% fosse eliminado, seguindo a mesma lógica do post dedicado a vós, o salário base no início de carreira dos enfermeiros seria de 1.039 euros (+2%, face ao actual), para os professores de 943 euros (-38%) e para os médicos de 1.201 euros (-35%).

Sem comentários: