26 fevereiro 2009

Brincamos, ou quê?!



O Diário Económico explicou hoje "Todos os passos do negócio entre Manuel Fino e a Caixa". Infelizmente, sou forçado a manter a mesma opinião que exprimi ontem: foi um péssimo negócio para os contribuintes portugueses.

Regressemos, portanto, ao início da história. A CGD emprestou dinheiro à Investifino, cerca de 500 milhões de euros, para esta especular à vontade no mercado accionista. A garantia para este empréstimo foram outros títulos, cujo rácio de cobertura excedia os 100%. Entretanto, em 2008, o mercado de acções deteriorou-se, as garantias perderam valor e a CGD, naturalmente, viu-se obrigada a pedir um reforço das mesmas e a escolher entre três hipóteses. Hipótese A (sugerida por Manuel Fino): não reforçar as garantias, ou seja, nada fazer. Hipótese B: executar as garantias. Hipótese C: comprar metade da posição da Investifino na Cimpor com um prémio de 25 a 35%, de forma a reduzir a dívida do grupo perante o banco. Pois bem, a opção final recaiu sobre a Hipótese C.

Afirma a CGD que "o facto de ter pago 4,75 euros por cada acção da Cimpor, mais 25% do que o valor destas em bolsa, é perfeitamente justificado pelo facto desta participação ser “um bloco de acções relevante” e ter “um prémio de controlo implícito”, uma vez que estes 9,58% no capital da cimenteira são considerados como uma participação “charneira” no controlo accionista da empresa, sobre os quais são pagos normalmente prémios entre os 25 e os 35% sobre o preço das acções." Francamente! Esses prémios só se praticam em condições de negociação normais. Por outras palavras, quando uma das partes, a Investifino, não tem poder negocial, o lógico é que não haja lugar ao pagamento de qualquer prémio - pelo menos, não dessa magnitude. Além disso, o tal prémio de que nos fala a CGD (25 a 35%) representa uma métrica de "Bull Market", ou seja, aplicável em tempo de vacas gordas. O problema é que ainda estamos em plena época de vacas magras. A administração da CGD que vá perguntar aos seus colegas da Caixa BI e pergunte-lhes quantas operações de fusão realizaram estes nos últimos doze meses? Nicles. O negócio está parado.

Infelizmente, o surrealismo subjacente às premissas da CGD não pára ali. É que o banco do Estado acrescenta ainda que "o preço pago pela CGD pelas acções de Manuel Fino na Cimpor é considerado como sendo inferior ao habitualmente praticado, e até é inferior em cerca de 19% à média da cotação nos últimos dois anos. A Caixa Geral de Depósitos nota ainda que a média dos preços-alvo dos analistas para os títulos da Cimpor é superior em 16,8% ao preço de 4,75 euros pago pelos títulos da Cimpor." Ora batatas! Primeiro, quase todos os títulos mundiais estão abaixo da cotação média dos últimos dois anos. O PSI20 está 45% abaixo da cotação média dos últimos dois anos. Segundo, que culpa têm os contribuintes da má avaliação que, em média, os analistas fizeram do preço da Cimpor? Nenhuma. Portanto, para que serve um "price target" que no momento da transacção era 50% superior ao preço de mercado? Para nada.

Por fim, a CGD argumenta ainda com os dividendos que agora passará a receber da Cimpor realçando que "normalmente a Cimpor tem gerado para os seus accionistas retornos entre os 5 e os 6% por ano". Lamentavelmente, este número não corresponde à realidade da Cimpor. De acordo com os dados importados da Bloomberg, de 1999 até hoje, o dividendo da Cimpor apenas excedeu o intervalo apontado pela CGD no passado muito recente. Na verdade, nos últimos dez anos, a taxa de dividendos que a empresa, em média, pagou aos seus accionistas foi de 3,7% ao ano. Antes de impostos! Ou seja, em termos líquidos, depois de impostos, menos de metade do intervalo esperado pela administração da CGD.

Entretanto, a Cimpor encerrou hoje a 3,11 euros por acção, muito distante dos 6 euros por acção que valia quando a Investifino se decidiu alavancar junto da CGD para investir ainda mais no mercado accionista. Ou seja, para recuperar essa marca, a Cimpor terá de valorizar mais de 90%. Infelizmente, nos últimos dez anos, a valorização média anual dos títulos da empresa foi apenas de 7% ao ano, com um desvio padrão de 26 pontos percentuais. Estatisticamente falando, isto significa que a probabilidade de que a cotação da Cimpor regresse aos 6 euros por acção em menos de um ano é quase nula - para ser rigoroso, é de 1%. Se o título se comportar em linha com a média de longo prazo, pode demorar 11 anos até recuperar a fasquia dos 6 euros. Vá lá, talvez 8 anos, se introduzirmos os dividendos. Enfim.

Sabem uma coisa? Esta história faz-me lembrar o BPP. A diferença é que a CGD contabilizou o empréstimo concedido à Investifino no balanço, ao passo que o BPP optou por colocar parte do seu próprio passivo fora do balanço. E a outra diferença é que, no caso do BPP, o Estado mandou-o às urtigas (e bem), sacrificando com isso alguns clientes do seu negócio de gestão de patrimónios; no caso da Investifino, o Estado não quis "gerar instabilidade na estrutura accionista da Cimpor", sacrificando com isso todos os contribuintes. Tivesse a CGD executado os 20% da Investifino na Cimpor ao preço de mercado de então (fora do mercado cotado) e teria recuperado 430 dos 500 milhões de euros - cerca de 85% do montante em dívida. E apenas 15% acima do preço de mercado - a 4,25 euros por acção - estaria mais do que "break-even". Assim não; pagou 4,75 euros por acção - 30% acima do preço de mercado -, ficou apenas com metade do lote de acções que podia reclamar e agora corre o risco de poder ficar a penar durante uns longos 8 anos!

(Actualização às 20h00): O Público e a TSF acabam de anunciar que o PS viabilizou a ida de Faria de Oliveira ao Parlamento para explicar os contornos desta polémica. Ainda bem. Talvez se possa voltar atrás no negócio.

Sem comentários: