01 agosto 2007

e, em seguida, demonstre-o


Eu comecei a minha carreira académica como um jovem assistente da cadeira de Estatística. Como é normal, a cadeira começava com a teoria das probabilidades e prosseguia depois pela inferência estatística. A teoria das probabilidades é um ramo da matemática e, como todos os ramos da matemática, está fundada num conjunto de verdades absolutas e indemonstráveis - os axiomas.

Os axiomas da teoria das probabilidades são três e fáceis de enunciar: primeiro, a probabilidade de um acontecimento qualquer é um número entre zero e um; segundo, a probabilidade do acontecimento certo é um; terceiro, a probabilidade da reunião de dois acontecimentos mutuamente exclusivos é igual à soma das suas respectivas probabilidades. É sobre estas três verdades simples e indemonstráveis que se contrói em seguida todo o edifício da teoria das probabilidades e da estatística matemática.

É possível questionar, rejeitar até, os axiomas? É, mas quem os rejeitar não terá uma teoria das probabilidades e todos os benefícios que dela resultam; pelo contrário, quem quiser ter uma teoria das probabilidades - e, depois, também, o corpo teórico da inferência estatística - tem de aceitar os axiomas como um acto de fé. A escolha é simples. Eu consagrava sempre muito tempo a esta parte da matéria e só depois prosseguia pela teoria fora, enunciando os teoremas e demonstrando-os, derivando os corolários, etc. Mas que ficasse bem claro: os axiomas não são demonstráveis.

Nas provas orais, ocorria, por vezes, aparecerem alunos com um ego muito grande e que ameaçava voar muito alto. Para esses, eu tinha uma pergunta de reserva, secreta, para os trazer de novo à realidade, e que raramente falhava. A pergunta era a seguinte: "Escreva aí no quadro um dos três axiomas da teoria das probabilidades e, em seguida, demonstre-o".

A primeira parte da pergunta não levantava, em geral, dificuldades, porque qualquer dos três axiomas era de fácil memorização. A parte interessante, vinha a seguir. De giz na mão, voltado para o quadro, o aluno rabiscava coisas no quadro, hesitava, olhava para mim, alguns enchiam o quadro de fórmulas, voltava a olhar para mim, apagava tudo, escrevia fórmulas de novo, outras vezes pedia-me se, em lugar daquele, podia demonstrar outro axioma, eu dizia que sim, a cena repetia-se, até que, depois de o ter desgastado suficientemente, eu lhe dizia: "Pode ir-se embora. Os axiomas não se demonstram".

Era isto que eu teria dito ao Descartes se fosse seu professor de Filosofia quando ele desatou a produzir demonstrações (três, nada menos) sobre a existência de Deus. E tinha-o chumbado.

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