26 agosto 2007

Ainda “EU” e DesCartes: o novo Sócrates?




Parece não haver dúvida do influxo que Descartes exerceu no seu tempo a ponto de ter sido chamado “pai da Filosofia”, ainda que a sua influência passe também pela Física (refracção da luz, por exemplo) e pela matemática (geometria analítica).



Descartes pretendeu apresentar-se como um “novo Sócrates”, talvez por estar convencido da sua força renovadora. Daí que no seu “Discurso do Método” tivesse considerado que, atendendo a que os métodos até aí seguidos para a investigação da verdade originavam tão grande diversidade de opiniões e levavam a tantos erros, se tornava necessário estabelecer um novo método, e, baseado nele, uma ciência universal devidamente fundamentada na Metafísica, que estaria na base da Física e demais ramos de saber de carácter prático.



O seu “penso, logo existo” é por isso o protótipo da ideia clara e distinta, de um racionalismo que afirma, mesmo quando se duvida, o mais radicalmente possível.



É verdade que o racionalismo é inseparável de René Descartes (1596-1650) mas também podemos dizer que o seu modo de chegar ao “ego cogito” não é inteiramente novo na Filosofia. Já Plotino se referiu a ele, e pertence a S. Agostinho a célebre expressão “si fallor sum”. A novidade de Descartes esteve em pretender fundar nele toda a filosofia. Não começa pela experiência dos objectos exteriores, como se fizera até então, essa mesma experiência passa a estar fundada no “ego cogito”.


Passemos adiante as famosas provas da existência de Deus, acanhadas pelo seu critério de evidência, e o seu voluntarismo que ao exagerar o papel da vontade, cavou um abismo demasiado profundo entre entendimento e vontade, bem como o seu dualismo exagerado entre corpo e alma, que levou ao "mecanicismo" e à redução da matéria ao à quantidade e desta ao número que é uma idealidade (unidade mental) a sintetizar a pluralidade.


Uma certa tendência para o idealismo conduziu à redução da sensação à ideia. Daí a sucessão de críticas posteriores, mesmo de racionalistas com Leibniz, que levaram à reformulação do “penso, logo existo” em “existo, logo penso”, ou “penso porque existo”.


Para os que – como o nosso querido amigo Pedro Arroja – pretendem arrojar-se de novo às questões de natureza teológico-filosófica seria melhor dar guarida a um outro grande austríaco. Um homem do Tirol: Edmund Husserl. Ganhariam tempo e superariam com vigor muitos equívocos e velhos sofismas, como o que mais “empalmou” Spinoza e o levou a pensar que tudo o que vem da razão é bom. Daí o exagero: é como pensar-se que tudo o que vem dos EUA é bom…


A Descartes deve-se uma maior exigência do raciocínio matemático e uma maior atenção do sujeito no problema do conhecimento.
Mas nem todos sabem que Descartes deriva do antigo nome Quatris que alatinado deu Cartesius. Só que René não gostava dele, por isso passou a Descartes e algumas vezes usou mesmo a forma DesCartes.


Hobbes, filósofo empirista inglês, contava-se entre os mais determinados adversários do idealismo cartesiano, daí que Descartes gostasse pouco dele e menos ainda das suas objecções. Isso explica que um dia tenha afirmado que “seria dar-lhe demasiado valor responder-lhe longamente”.


Resolvi seguir só em parte o conselho de René quanto às insinuações e exageros do post (“EU”) de Pedro Arroja (aliás, aparentemente, corrigidos para logo a seguir serem contrariados em posts subsequentes), que parecem ter tido como alvo um post anterior de Rui A.


Como PA diz aí ser um hipercartesiano compreendem-se melhor os hiper-exageros a que dá largas na sua aproximação entre Descartes e Hayek.


Husserl (na foto) seria aqui de grande ajuda (e caridade católica) para se perceber como passar do “eu” ao “nós” sem que cada um, na sua individualidade, perca o que há de singular e único.



Aproveito para subscrever o pronto comentário do Helder no referido post (“EU”)


P.S. – Texto inspirado nos ensinamentos do meu querido amigo, o saudoso jesuíta e professor de filosofia Júlio Fragata a quem (a par do Arq. Fernando Lanhas) dediquei a minha tese de doutoramento.

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