16 dezembro 2022

Um juiz do Supremo (186)

 (Continuação daqui)



186. De nada vale


De uma assentada, o juiz Sénio Alves do Supremo Tribunal de Justiça mandou hoje para julgamento três juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, Rui Rangel, Luís Vaz das Neves e Fátima Galante (cf. aqui e aqui). Os crimes que lhes são imputados caem genericamente na categoria de corrupção e envolvem, entre outras coisas, o tráfico de sentenças e aquilo que tenho designado neste blogue por rangelismo.

O rangelismo é a  batota na distribuição dos processos, através da qual os processos são distribuídos a juízes que se sabe de antemão  que irão produzir uma certa sentença desejada pelo corruptor activo. O rangelismo viola um antigo princípio de justiça, chamado do "juiz natural", segundo o qual um juiz chamado a julgar um dado processo não pode ser pré-determinado, de maneira a assegurar que é cumprido o principal atributo de uma justiça democrática - a imparcialidade.

A expressão rangelismo é derivada do nome de três Rangéis, o juiz Rui Rangel, o eurodeputado Paulo Rangel e a ex-juíza do Tribunal Constitucional, Maria José Rangel de Mesquita. Todos os três protagonistas, e os respectivos casos, têm sido abundantemente tratados neste blogue. No caso envolvendo o eurodeputado Paulo Rangel, o autor do rangelismo foi precisamente o juiz Marcolino quando era presidente da primeira secção criminal do Tribunal da Relação do Porto (cf. aqui).

Haverá quem diga que mandar três juízes desembargadores de um alto tribunal do país para julgamento, como fez hoje o Supremo, é a justiça a funcionar. Mas não é. É a prova de que a justiça em Portugal não funciona e que está corrupta porque a última coisa que um cidadão imagina acerca de um juiz é que ele seja um criminoso.  

Ora, é esse o sinal que a decisão do Supremo anunciada hoje a respeito da Operação Lex transmite a toda a sociedade portuguesa - a de que há juízes de altos tribunais do país que são criminosos. Alguns, é certo, acabam julgados, outros têm mais sorte e, em lugar de irem para a prisão, até são promovidos a juízes do Supremo.

Mas como é que um criminoso chega a juiz de um alto tribunal do país? Esta é a questão que se põe ao espírito de qualquer cidadão e que eu tenho vindo a procurar responder através desta série de posts.

É uma vergonha e a pior forma de corrupção. Como alguém já escreveu a partir do Brasil - um país que herdou a nossa cultura judicial -, a "pior forma de corrupção é a falta de confiança na justiça" (cf. aqui).

O poder judicial é o poder mais importante de uma democracia. A democracia em Portugal acabará um dia por cair (como já caiu no passado), e no Brasil cairá muito antes, por causa da corrupção que grassa na justiça. De nada vale pôr juízes corruptos a responder perante o Supremo Tribunal de Justiça quando, ao mesmo tempo, outros juízes corruptos são promovidos a juízes do Supremo Tribunal de Justiça.


(Continua acolá)

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