23 novembro 2022

Um juiz do Supremo (116)

 (Continuação daqui)

Fonte: cf. aqui

116. Adeus Bragança

O momento mais memorável do julgamento de Sérgio Casca teve o juiz Francisco Marcolino como protagonista. A única evidência que poderia ser atirada contra Sérgio Casca era uma impressão palmar no retrovisor interior do lado do pendura do veículo da GNR onde seguiam os dois guardas assassinados. A técnica que analisou a impressão palmar disse que ela era fresca e correspondia a uma mão transpirada, que ainda exibia gotículas de suor.

Foi com base neste detalhe que, no julgamento, o juiz Marcolino se levantou da tribuna, foi junto do réu e ordenou-lhe que mostrasse as mãos. E o réu assim fez. Se as mãos estivessem húmidas, o juiz teria concluído que Sérgio Casca era o criminoso porque era isso que mostrava a impressão palmar no retrovisor. Mas as mãos de Sérgio Casca estavam secas. Então, o juiz Marcolino concluiu que naquele ambiente de stress e calor na sala do tribunal - uma autêntica "sauna", escrevia a sentença - isso era sinal de uma personalidade fria e calculista. Estava encontrado o criminoso perfeito.

Nunca foi atribuído a Sérgio Casca um móbil para o crime. Quer dizer, a pergunta óbvia "Mas por que teria ele assassinado os colegas?" ficou para sempre sem resposta.

No Prefácio à tese de mestrado do juiz Marcolino, mais tarde editada em livro com o título "Os meios de obtenção de prova em processo penal", o professor Mário Ferreira Monte, seu orientador, dá conta dos passos profissionais do juiz Marcolino nos anos seguintes ao julgamento de Sérgio Casca, que teve lugar no verão de 1998 em Bragança. Nos cinco anos seguintes ele passaria pelos tribunais de três cidades diferentes.

"(... ) Juiz de Direito destacado como Juiz-Auxiliar no Tribunal da Relação de Lisboa em 1998 e Juiz-Desembargador no Tribunal da Relação do Porto em 2000, no Tribunal da Relação de Guimarães em 2003 (...)"

Ainda no ano de 1998, o juiz vai embora de Bragança para Lisboa, quase de certeza a seu pedido. O ambiente em Bragança devia ser então insuportável para o juiz. Tinha acabado de condenar um inocente a 20 anos de prisão efectiva e o falatório popular sobre o tráfico de droga como o verdadeiro móbil do crime, não o devia deixar dormir.

Não tendo ainda a categoria de juiz-desembargador, que lhe permitiria ocupar um lugar num Tribunal da Relação, é colocado, não obstante, no Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), embora só como juiz auxiliar. Em Lisboa vai permanecer durante cerca de dois anos, quando é promovido a juiz-desembargador. E, nessa altura, ano 2000, quando podia ficar no TRL, escolhe o Tribunal da Relação do Porto.

Existiam na altura quatro tribunais da Relação em Portugal: Lisboa, Porto, Coimbra e Évora.

Porquê o Porto?

O ano de 2000 é um ano muito importante na vida profissional e empresarial do juiz Marcolino.  Desde 1989 que, através da mulher, ele era sócio numa imobiliária de Bragança de um empresário da construção, chamado Duarte Nascimento Rodrigues, também conhecido por Duarte Lagarelhos.

O negócio parecia ser próspero tanto mais que chegou a aparecer nos jornais que o juiz proferiu uma sentença em Bragança a favor dessa imobiliária tendo o casal Marcolino lucrado 100 mil euros (cf. aquiaqui). 

Ora, estando o negócio a correr tão bem, é surpreendente que, em 2000, o casal Marcolino tenha vendido a sua quota ao sócio Duarte Lagarelhos. E o mais surpreendente de tudo, confome declaração do próprio juiz, é que o tenho feito a título gratuito.

O juiz Marcolino, que passa a vida atrás do dinheiro fácil, a ceder ao sócio, a título gratuito, uma quota numa imobiliária?

Que estranho. A menos que o sócio Lagarelhos estivesse possuído por alguma doença contagiosa - covid não era de certeza porque ainda não existia na época - e o juiz e a esposa se quisessem afastar dele a todo o custo.

Ou será que o Lagarelhos andava mas era metido no tráfico de droga?

Nessa altura, Sérgio Casca estava encarcerado no Presídio Militar de Santarém há dois anos e o falatório popular em Bragança não se abatia. Ele estava inocente e o assassinato dos dois militares da GNR estava relacionado com o tráfico de droga.

(Continua acolá)

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