06 outubro 2022

Um juiz do Supremo (19)

 (Continuação daqui)



19. Uma imagem de marca

Indignada com o facto de o inspector Marcolino lhe pôr processos disciplinares uns atrás dos outros ao mesmo tempo que declarava ser seu "inimigo jurado", a juíza Paula Sá apresentou queixa contra ele no CSM.

Disse, em particular, que no Tribunal de Bragança, terra natal do inspector Marcolino, onde lhe competia avaliar os juízes, o inspector Marcolino era parte interessada em oito processos judiciais, alguns de natureza criminal, e onde reclamava substanciais indemnizações aos acusados.

A juíza Paula Sá punha assim a nu aquela que viria a ser uma imagem de marca na vida do juiz Marcolino - a utilização da justiça e da sua condição de juiz para enriquecimento próprio.

O CSM nomeou um inspector para inspeccionar o inspector Marcolino e concluiu que as imputações da juíza Paula Sá a respeito do inspector Marcolino eram verdadeiras. Vários juízes do tribunal de Bragança já tinham pedido escusa para não julgarem processos em que o inspector Marcolino era parte com medo de represálias nas suas carreiras caso tivessem de decidir contra ele. E havia um caso em que um juiz já tinha decidido a favor do inspector Marcolino atribuindo-lhe uma indemnização de 25 mil euros.

O CSM considerou que tinha havido violação do dever de lealdade por o inspector Marcolino lhe ter omitido a situação de conflito de interesses em que se encontrava, e também do dever de reserva por declarações públicas que prestou sobre a juíza Paula Sá. O CSM começou por suspender o inspector Marcolino por seis meses, mais tarde aplicou-lhe uma multa e finalmente despediu-o das funções de inspector judicial.

O juiz Marcolino recorreu da decisão para o próprio CSM, que não o atendeu. Recorreu depois para o STJ que também não o atendeu. Finalmente recorreu para o TEDH argumentando que, em todo o processo, lhe tinham sido violados vários direitos fundamentais, como o direito a um processo equitativo, o direito a um recurso efectivo, o direito à liberdade de expressão, o direito a um duplo grau de jurisdição e o direito à não-discriminação.

Num acórdão de 2021 (cf. aqui), por unanimidade de sete juízes, o TEDH considerou a queixa totalmente Irrecevable.

Existem pelo menos duas conclusões a tirar daqui. A primeira é que, na contenda que mantém com a juíza Paula Sá, o TEDH tem dado razão à juíza, e não ao juiz Marcolino. A segunda é que, no âmbito desta contenda, nos três processos em que esteve envolvido perante o TEDH (dois deles mencionados no post anterior) há uma coisa permanente que acontece ao juiz Marcolino.

Mas antes de revelar que coisa é essa, é importante dizer que o TEDH é em Estrasburgo e não em Bragança, onde o caciquismo é mais difícil, senão mesmo impossível; que, em Estrasburgo, não tem o suporte do seu partido no governo ou dentro do sistema de justiça para manipular as decisões judiciais a seu favor. Por outras palavras, em Estrasburgo existe um tribunal que é independente e imparcial.

E, sendo assim, aquilo que acontece ao juiz Marcolino é que perde todos os processos em que aparece envolvido perante o TEDH. Esta é uma conclusão avassaladora para um juiz do Supremo. Se fosse um mau estudante de Direito, que não sabe as leis, a jurisprudência ou as duas coisas, ainda se compreendia. Mas é inaceitável num juiz, ainda por cima juiz do Supremo. Revela falta de julgamento que é a faculdade mais importante que deve assistir a um juiz. 

Se, perante um tribunal independente e imparcial, o juiz Marcolino é incapaz de exercer julgamento sobre os processos onde está pessoalmente envolvido, perdendo-os a todos, que credibilidade tem ele para, no Supremo Tribunal de Justiça, ao mais alto nível, julgar os processos que dizem respeito aos portugueses? 

Assustador.


(Continua acolá)

Sem comentários: